Neste Primeiro de Maio de 2020, quero homenagear a classe operária e a camponesa abordando uma das mais insidiosas mistificações da história: o anti-comunismo! O Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels, foi lançado em fevereiro de 1848. O Manifesto denunciava a super exploração dos trabalhadores pela burguesia e a necessidade de lutar para que essa classe fosse derrubada e os trabalhadores, também chamados de proletariado, assumissem o poder e construíssem uma nova sociedade sem classes e sem propriedade privada dos meios de produção.

Poucos anos antes, em 1845, pela primeira vez é publicado o livro de Engels: A Situação da classe trabalhadora em Inglaterra no qual ele denuncia as péssimas condições de trabalho e de vida de homens, mulheres e crianças. O Manifesto aparece no bojo de um intenso processo de lutas sociais e de produção intelectual, sobretudo na Alemanha (país de onde procedem os dois), França e Inglaterra, não por acaso os países nos quais a revolução industrial tinha se iniciado, sobretudo neste último país.

O domínio da burguesia no ocidente significava uma exploração sem limites e a negação de quaisquer direitos dos trabalhadores, sequer considerados sujeitos de direitos: as longas horas de trabalho não permitiam que fossem dormir em casa e ficavam amontoados nas fábricas, não havia repouso semanal, nenhuma proteção para evitar acidentes de trabalho, levando a mutilações e mortes de trabalhadores que às vezes cochilavam de tão longa e extenuante a jornada.

Se a gente conhece hoje direitos trabalhistas como a jornada de 8 horas, o repouso semanal, férias, direito de greve, de se associar em sindicatos para a defesa coletiva da classe, carteira de trabalho, aposentadoria, entre outros direitos, tudo isso contou com a vigorosa participação dos comunistas. Não teve nenhuma igreja, organização filantrópica (com raras exceções), universidade, imprensa, que defendesse os direitos da classe operária e camponesa.

Quais seriam as fontes deste visceral anti-comunismo? São muitas, mas vou abordar aqui uma delas: as religiões hegemônicas no ocidente. Marx afirmou em 1844: “O sofrimento religioso é, a um único e mesmo tempo, a expressão do sofrimento real e um protesto contra o sofrimento real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração e a alma de condições desalmadas. É o ópio do povo”. A última frase foi pinçada do contexto e brandida pelos fundamentalistas para combater impiedosamente o pensamento marxista.

O que as igrejas cristãs fizeram quando vieram à tona as informações sobre a brutal exploração da classe operária e camponesa, exatamente no ocidente cristão? Desconheço se as igrejas luterana (predominante na Alemanha) e a anglicana (que é hegemônica na Inglaterra) se moveram em defesa dos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras.

No caso da Igreja Católica, ela só vai se manifestar sobre a necessidade de proteção dos trabalhadores em 1891, quando o Papa Leão XIII anuncia a Encíclica Rerum Novarum (Das Coisas Novas), 43 anos após o lançamento do Manifesto Comunista. Não cabe aqui perguntar sobre as motivações que a levaram a fazer isso para não desviar do rumo deste artigo. Mas não é demais mencionar o conteúdo anti-comunista das cartas atribuídas à inspiração de Nossa Senhora cuja aparição em Fátima teria ocorrido no dia 13 de maio de 1917 até 13 de outubro daquele mesmo ano!! Ora, exatamente naquele ano os partidos revolucionários dos trabalhadores e dos camponeses forçaram a abdicação do poder do Czar Nicolau II, em fevereiro, pondo fim a um dos regimes absolutistas mais cruéis da história do ocidente. Poucos meses depois, em 10 dias que abalaram o mundo, é vitoriosa a histórica Revolução de Outubro! Não é demais lembrar que o regime czarista tinha como um de seus pilares a Igreja Ortodoxa Russa!

Abrindo um parêntese podemos dizer que a figura de Grigori Rasputin, o místico da Igreja Ortodoxa Russa que era conselheiro da família do Czar, pode ser colocado em contraste com figuras como Olavo de Carvalho, Edir Macedo, Marco Antônio Feliciano e outros da mesma estirpe. Fazendo uma blague, diria que se Marx estivesse no Brasil escrevendo “Uma contribuição à crítica da filosofia do Direito de Hegel”, diante da força do segmento pentecostal na base deste desgoverno poderia afirmar: As religiões fundamentalistas (pentecostais e segmentos da católica) são o crack do povo!!

Mesmo rapidamente e incentivando quem me lê a continuar as pesquisas, acho que desmistificar o anti-comunismo passa também por um olhar sobre as aspirações da humanidade a uma vida de igualdade, o que remonta há milênios. Historiadores chamam de comunismo primitivo. Mesmo antes de Cristo, Platão em seu livro A República “concebe um modelo ideal de sociedade a partir da supressão da propriedade privada e da família…”

Agora, o mais surpreendente nesse anti-comunismo – apesar de compreensível – é o fato de que estas ideias de igualitarismo estão fundadas na mesma bíblia que eles usam para defender suas posições radicais e opostas a estas Utopias! Nas primeiras comunidades cristãs existiram as condições concretas de sua existência. Assim, nos Atos dos Apóstolos, capítulo 4, versículos 32 a 37, podemos ler o seguinte: “Da multidão dos que criam, era um só o coração e uma só a alma, e ninguém dizia que coisa alguma das que possuía era sua própria, mas todas as coisas lhes eram comuns. Com grande poder os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em todos eles havia abundante graça. Pois não havia entre eles necessitado algum; porque todos os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam o preço do que vendiam e o depositavam aos pés dos apóstolos. E se repartia a qualquer um que tivesse necessidade. Então José, cognominado pelos apóstolos Barnabé (que quer dizer, filho de consolação), levita, natural de Chipre, possuindo um campo, vendeu-o, trouxe o preço e o depositou aos pés dos apóstolos.”

Ao longo da Idade Média, movimentos camponeses também nutriram este sonho de igualdade e justiça, muitas vezes liderados por religiosos católicos dissidentes que buscavam reconstruir a utopia que inspirou os primeiros cristãos. Esses movimentos sociais foram perseguidos como heresias e impiedosamente massacrados. Vejamos alguns exemplos: “Entre os séculos 12 e 15 apareceram algumas ideais comunistas baseadas em pressupostos religiosos do cristianismo primitivo. Os cátaros (do grego kataroi, que significa “puro”) e os valdenses (seguidores de Pierre Valdo, um rico comerciante francês que abandonou todos os seus bens) se constituíram em dissidências da Igreja Católica. Em suas pregações, os adeptos desses grupos repudiavam a propriedade privada, exaltavam a pobreza e a necessidade de uma vida comunitária onde todos deveriam trabalhar e conviver igualitariamente…”

Esta digressão buscou mostrar que Marx defendeu no Manifesto Comunista aspirações milenares da humanidade e que continuam a existir até nossos tempos, daí a vitalidade do pensamento marxista.

Volto à questão da manipulação da consciência e da opinião pública contra os comunistas, que adquire colossais dimensões nesta era das tecnologias de informação e das Fake News que propagam o medo e o ódio contra os pobres, os negros e os povos indígenas, as mulheres e a população LGBT, que banalizam a mentira e enaltecem o engodo para distorcer a história.

Quero mostrar a importância, o papel, a imprescindível presença dos comunistas na história do Brasil. Em todas as áreas estivemos nós! Não há nenhuma luta na história do povo deste país que não tenha contado com a participação dos comunistas. Neste dia Primeiro de Maio de 2020, faço a minha homenagem abrindo um pouco esta pequena trilha de uma história negada e hoje cheia de entulho fascista, para que a leitura deste texto possa fazer o mínimo de justiça aos homens e às mulheres cujos nomes passarei a declarar com todo o respeito e orgulho neste momento:

Entre os líderes operários e camponeses, de uma lista muito grande destaco alguns nomes de Minas Gerais e de fora do estado, como Francisco Soares e José Francisco Neres (de Sabará), Anélio Marques, de Nova Lima, Roberto Morena, Armando Ziller, do Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte. Temos também, Astrojildo Pereira, Jacob Gorender, Otávio Brandão, Minervino de Oliveira (militante negro que foi candidato à presidência da república). Líderes camponeses, temos Gregório Bezerra e Francisco Julião, no Nordeste, José Porfírio, de Goiás, que foi preso em 1972. Seu nome consta da relação dos 300 desaparecidos durante a ditadura militar. Estes líderes, entre tantos outros, participaram da luta pela sempre adiada reforma agrária no Brasil.

Entre os militares, os líderes comunistas de maior destaque foram Luís Carlos Prestes, Dinarco Reis e Carlos Lamarca. Tendo liderado a Coluna Prestes, ajudou a expor a fome e a dura situação dos camponeses e dos sertanejos do interiorzão de nosso país.

Os comunistas atuaram para a implementação de políticas sociais que beneficiassem o povo brasileiro. Na decisiva área da saúde, e particularmente na humanização dos manicômios, dos asilos para doentes mentais, e depois chamados de hospitais psiquiátricos, onde vegetavam sobretudo pacientes negros, a psiquiatra Nise da Silveira é o ícone maior da luta por uma nova visão da loucura e por tratamento digno dos internos. Ela esteve presa durante a ditadura do estado novo.

Posteriormente, participaram da luta pela reforma sanitária no Brasil, que levou à criação do SUS. Os sanitaristas Sérgio Arouca, Jayme Landmann, Davi Capistrano Filho, Hélio Bacha e Pedro Dimitrov foram personalidades chave na história da saúde pública no Brasil. Davi, que fora secretário de saúde no município de Santos, chegou a ser prefeito da cidade por duas vezes. Na área da educação, Paschoal Leme foi defensor da educação pública e popular.

Na área da cultura a lista de personalidades é robusta. Podemos citar:

Pagu (Patricia Galvão) escritora e militante feminista, que era uma grande agitadora em São Paulo; foi perseguida e presa política por isto. Era amiga de Tarsila do Amaral e de Oswald de Andrade, e acabou casando-se com ele. Pagu e Oswald entraram no PCB nos anos 30; ela publicou um romance muito importante na época, chamado Parque Industrial.

Entre escritores, tem um mundo de gente importante, de norte a sul do país, como Jorge Amado cujos livros escancaram a tragédia social de nosso país. Também foi deputado constituinte em 1946 e inseriu no texto daquela Constituição o preceito da liberdade religiosa, consciente que era da violência e dos abusos sofridos pelas religiões de matriz africana, em qualquer lugar do país.

Outros proeminentes escritores foram Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, o editor Ênio Silveira (da Civilização Brasileira), Caio Prado Jr., que além de escritor foi também deputado constituinte em 1946. O escritor, poeta e militante negro Solano Trindade, que fomentou enorme trabalho artístico em Embu das Artes. Trago à lembrança outro escritor, Antônio Callado, o filósofo Carlos Nelson Coutinho, o físico e crítico de arte Mário Shenberg, e Ziraldo que é também cartunista.

Nas artes cênicas, temos o teatrólogo Oduvaldo Vianna filho (o Vianinha, fundamental no Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes), os teatrólogos Gianfrancesco Guarnieri, Procópio Ferreira, Dias Gomes e sua mulher, Janet Clair. No Cinema Novo, destaco Nelson Pereira dos Santos, Leon Hirszman e o cineasta e compositor Sérgio Ricardo.

Entre os artistas plásticos, a lista é bem generosa: temos o pintor marinheiro José Pancetti, Fayga Ostrower, pintora e gravadora premiada que dava cursos sofisticados sobre arte moderna para turmas de operários. Cândido Portinari, Djanira, que se dedicou a pintar a cultura popular, a gravadora Maria Bonomi, Abelardo da Hora, que era também gravador em Pernambuco, e fazia gravuras sobre a vida nos mangues de Recife. Temos também Lívio Abramo, Sergio Ferro, o escultor Bruno Giorgi, e o pintor Quirino Campofiorito.

Dos pintores do Grupo Santa Helena, o mais conhecido é Alfredo Volpi, mas nem todos foram militantes. Eram humildes trabalhadores que pintavam a vida popular e a cidade industrial. Foram importantíssimos nos anos 30-40 em São Paulo, no escopo do Modernismo, que era dominado por gente da elite burguesa paulista. Além de Volpi, tem Francisco Rebolo, Aldo Bonadei, Alfredo Pizzoti, Clóvis Graciano. Gente simples do povo cuja profissão era pintor de paredes, açougueiro, operário, entre outras do gênero.

Entre os arquitetos, dois dos maiores são Oscar Niemayer e João Batista Villanova Artigas, criador da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e de enorme importância no Brasil e fora do país. Trago à memória também Antônio Bezerra Baltar, do Recife, e Frank Svenson que deu aula na UNB. Demétrio Ribeiro e Enilda Ribeiro um casal de arquitetos comunistas, do Rio Grande do Sul.

No campo da música e, particularmente, do samba, os comunistas honraram o partido alto! O Partido Comunista teve enorme importância na organização das Escolas de Samba, com Haroldo Costa e a pesquisadora da cultura popular Eneida (que foi companheira de prisão de Nise da Silveira e de Graciliano na Ilha Grande). No Rio de Janeiro, muitos compositores e sambistas foram militantes ou próximos do PCB, como Martinho da Vila, Paulo Sérgio Pinheiro e Clara Nunes, Beth Carvalho, e especialmente Dona Ivone Lara. Jorge Mautner também foi cantor e compositor comunista, bem como o maestro Francisco Mignone.

É curioso saber que o PCB, além de ter estado presente nas escolas de samba percebidas como um canal de aproximação com as camadas populares, “em novembro de 1946, no campo de São Cristóvão, o PCB organizou um desfile em homenagem a Luiz Carlos Prestes, do qual participaram 22 escolas. A maioria dos enredos exaltava o Cavaleiro da Esperança.”

No jornalismo, tivemos Vladimir Herzog, assassinado pela ditadura militar, Pedro Mota Lima, Ancelmo Gois, José Carlos Alexandre e Kerison Lopes, os dois últimos de Belo Horizonte. Até o grande treinador de futebol e comentarista esportivo, João Saldanha, foi do Partido Comunista!

Como ativista negra que há décadas adotou o combate ao racismo como sua bandeira maior, sem perder de vista a perspectiva marxista e revolucionária, deixei para o final a citação de dois nomes que são as estrelas maiores da história dos comunistas no Brasil: Carlos Marighella (assassinado pela ditadura militar em 1969) e Osvaldo Orlando da Costa (o Osvaldão da Guerrilha do Araguaia). Também assassinado em 1973; ambos negros.

Para finalizar, devo dizer que alguns destes nomes mencionados podem ser encontrados também em lista de ex-comunistas. Um exemplo notório é Osmar Terra, um dos mais ferrenhos aliados do desgoverno Bolsonaro. Muitos alegam que a utopia comunista tinha sentido em seus tempos de juventude, outros ficaram desencantados com as experiências do socialismo real e com a queda do muro de Berlim. Também a força da ideologia do individualismo e a supremacia do mercado acabaram convencendo muitos de que não haveria outra saída para a humanidade, entre várias justificativas.

O fundamental é não perder de vista que a matriz da história é a luta de classes, o que significa ser uma marcha cheia de contradições, de êxitos e derrotas, avanços e recuos. Que o capitalismo nunca nos deu trégua e que tivemos poucos anos de vida legal em um país de tradição autoritária como o Brasil. Diante dessa realidade, prossigo marxista e comunista, com o coração cheio de esperança em um futuro de igualdade e de justiça. E com as mãos na massa, claro, sem o que não destruiremos a exploração de classe e a opressão de raça e gênero dos quais se nutre o capitalismo, sobretudo nesta fase perversa do neoliberalismo e da financeirização do capital.

Oxalá aprendamos as boas lições que a pandemia mundial do coronavirus pode nos ensinar: o sistema de mercado destrói os seres humanos e a nossa Biosfera. Não há solução para a humanidade nem para o Planeta via capitalismo. Sejamos ousadas e ousados para poder construir uma Sociedade Socialista, ou uma Terra sem Males, como dizem os povos indígenas!

Diva Moreira – jornalista e cientista política
Sabará, 2 de maio de 2020 (Era para ter postado ontem, mas não dei conta. Resolvi manter o título).

Para finalizar mesmo, deixo pra vocês este belo poema de Ferreira Gullar
sobre o Partido Comunista, escrito em 1982:

Eles eram poucos.
E nem puderam cantar muito alto a Internacional. Naquela casa de Niterói em 1922. Mas cantaram e fundaram o partido.
Eles eram apenas nove, o jornalista Astrogildo, o contador Cordeiro, o gráfico Pimenta, o sapateiro José Elias, o vassoureiro Luís Peres, os alfaiates Cendon e Barbosa, o ferroviário Hermogênio.
E ainda o barbeiro Nequete, que citava Lênin a três por dois. Em todo o país eles eram mais de setenta. Sabiam pouco de marxismo, mas tinham sede de justiça e estavam dispostos a lutar por ela.
Faz sessenta anos que isso aconteceu, o PCB não se tornou o maior partido do ocidente, nem mesmo do Brasil. Mas quem contar a história de nosso povo e seus heróis tem que falar dele. Ou estará mentindo.