Por Osvaldo Teodoro
“Tudo é ousado para
quem a nada se atreve”
Fernando Pessoa
No primeiro dia do mês de setembro o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) divulgou, frustrando as expectativas dos economistas mais entusiasmados, um recuo do Produto Interno Bruto (PIB) de 0,1% em relação ao trimestre anterior. A queda mais significativa deu-se no festejado “agronegócio”, cerca de 2,8% negativos.
Nos últimos meses não foi difícil verificar trabalhadores, nas mais diferentes regiões do Brasil, que nem sequer conseguiam se alimentar, o sofrimento destas pessoas se intensificava na medida em que os noticiários relatavam o encarecimento do custo de alimentos básicos. As manchetes acerca da crise hidrelétrica e os iminentes riscos dos apagões avolumaram-se, a tarifa de energia parece surgir numa acirrada disputa com o preço dos combustíveis. Difícil apostar qual, entre os dois, se elevava de forma mais abrupta.
Entre perspectivas catastróficas, contando mais de meio de milhão de pessoas mortas durante a pandemia do novo coronavírus, vitimadas por um projeto de morte, a partir de taxas recordes de desemprego e com a maior elevação inflacionária entre as vinte maiores economias do mundo, os reflexos de uma estratégia de desenvolvimento neoliberal, ganha contornos cada vez mais evidentes.
A toada capitaneada por um governo que, por um lado, afunda-se entre denúncias de corrupção e, por outro, precisa produzir inimigos para legitimar sua inoperância desafina em sons cada vez mais estridentes. Os ecos, ainda que de forma incipiente, parecem ter chagado nos andares de cima. Cercado por vacilações e chantagens, materializaram-se, nesta semana, documentos que se anunciavam como manifestos em favor da “democracia” emitidos por grandes segmentos da burguesia.
É neste cenário, às vésperas do 07 de setembro, com protestos marcados nas principias cidades do Brasil por diversos setores da classe trabalhadora, num momento em que Bolsonaro derrete sua já reduzida popularidade, que algumas lideranças – que se reivindicam no campo progressista – veem a público arrefecer, desmobilizar as manifestações populares.
Afastando-nos do pressuposto que essas manifestações guardam íntima correspondência entre aqueles que primam em fazer política deslocado das massas e que gravitam de forma abstrata sobre a clivagem das classes sociais, cabe, neste instante, destacar alguns pontos que julgamos essenciais para entender a conjuntura:
1] O “bolsonarismo” é uma ideologia e, desse modo, possui como uma de suas principais características apresentar interesses particulares enquanto universais. Isto é, o Bolsonaro seria uma espécie de espantalho que deveria, por um lado, acenar para as massas a partir de uma retórica moral e, por outro, seguir a cartilha neoliberal e levar até as últimas consequências as reformas necessárias para garantir as taxas de lucro e os percentuais de concentração de renda para a burguesia.
No entanto, nesta trama, os principais atores se demonstraram canastrões e não foram capazes de convencer o grande público. A retórica moral de Bolsonaro, entre tentativas de superfaturar vacinas, compras de mansões e “rachadinhas”, desmoronou de forma mais lenta, apenas, que a degradação da condição de vida dos trabalhadores. Não obstante, as pretensões golpistas do frustrado capitão ergueu-se como uma barreira que impossibilita as condições necessárias para implementação do conjunto de políticas esperadas pelos grandes capitalistas.
Marx e Engels (2007, p.283), ao analisarem o fenômeno da ideologia, destacam:
Quanto mais a forma normal de intercâmbio da sociedade e, com isso, as condições da classe dominante desenvolvem sua oposição às forças produtivas progressistas, quanto mais cresce, em decorrência, a discórdia na própria classe dominante e entre esta e a classe dominada, é claro que tanto mais inautêntica se torna a consciência que originalmente correspondia a essa forma de intercâmbio, isto é, ela cessa de ser a consciência que corresponde a ela, e tanto mais as representações sobre essas relações de intercâmbio que vinham sendo transmitidas, representações essas em que os interesses pessoais reais etc. são declarados como universais, descambam para meras frases de efeito idealizadoras, para a ilusão consciente, para a hipocrisia proposital.
Desta forma, é nesse instante específico dentro dos encadeamentos ideológicos, no momento em que as ideologias se desconectam de qualquer lastro com a realidade, que se evidencia a perda da relação entre a expressão ideal e as condições concretas de existência dos trabalhadores. A partir da conjuntura atual, no diálogo com as massas, torna-se possível o desnude da ideologia bolsonarista
2] Apesar de guardarmos algumas considerações acerca da totalidade do escrito e de frisar as mediações necessárias para a sua leitura, destacamos que Reich (2001), na obra Psicologia de massas do fascismo, nos apresenta contribuições valiosas, sobretudo, para não cairmos em reducionismos que se intercalam e muitas vezes fundem-se entre interpretes vulgares e arrivistas.
Por maiores que sejam os efeitos da crise capitalista, que se espraie a miséria, degenerem-se às condições de vida, nada garanti que haverá uma adesão espontânea das massas contra aqueles que lhes conservam o caminho para o precipício. Dito de outra forma, a “[…] situação econômica e a situação ideológica das massas não coincidem necessariamente”. (REICH, 2001, p. 07), isto é, o que esperam aqueles que desmobilizam as manifestações? Que um ímpeto, inesperado como um raio, desperte a consciência adormecida dos trabalhadores?
Como sabemos as ideologias não dizem respeito, necessariamente, a processos coercitivos, mas, sobretudo, versam sobre processos consensuais, desse modo, se elevam a partir das bases materiais assumindo as formas ideais das relações sociais de produção vigentes. Ora, torna-se possível apenas superá-las a partir dos movimentos contraditórios que se evidenciam, gradativamente, no cotidiano ou em momentos de crises, isto é, em que se acirra a luta de classes, quando as fissuras se aprofundam e as ideologias expostas se transfiguram na forma de “hipocrisia deliberada”.
São nesses momentos que não podemos nos eximir de nossas responsabilidades. Vale destacar que a suposta força do governo Bolsonaro que se manifesta na forma de ameaça golpista e que, à primeira vista, guarda algum verniz de vigor, se olhado da maneira mais acurada, não passa de uma clara manifestação de fragilidade. Em meio à sua putrefação, o governo do miliciano tenta agitar os bandos que ainda lhe apoiam e com isso aferir o volume das suas parcas forças. Enquanto isso, sobretudo a partir da substância dos grupos que ainda restam, tenta imobilizar qualquer reação popular a partir do gatilho do medo.
Contudo, isso não quer dizer que não devamos tomar os cuidados necessários com a segurança de nossos companheiros. Todavia, como sabemos, “[…] há momentos em que as massas avançam adiante dos partidos, mas há momentos em que os partidos têm obrigação de avançar além das massas.” (IASI, 2013, p.76). É neste sentido que torna-se premente ir às ruas neste 07 de setembro, com as nossas bandeiras tremulando, gritando nossas palavras de ordem, manifestando-nos contra o conjunto de reformas neoliberais, agitando e organizando os trabalhadores, evidenciando as contradições do momento político e, por conseguinte, das atuais formas de produção e reprodução da vida.
Aqueles que em forma de bravata afirmam estar ao lado dos trabalhadores, e que esperam das eleições de 2022 uma espécie de momento sagrado que trará consigo a redenção, se esquecem que o próprio resultado das eleições dependerá do grau de pressão exercido pelos trabalhadores.
Se a oposição liberal eleitoreira, pretende fazer frente à sanha golpista de Bolsonaro com o mesmo nível de acovardamento e oportunismo que tenta desmobilizar as manifestações populares, passamos a acreditar que a fragilidade bolsonarista pode mudar de forma, fortalecendo-se entre as vacilações destes setores.
Faz-se necessário compreender que se quisermos a conformação de uma ordem que possibilite melhores condições de vida para os trabalhadores e uma substantiva participação popular, será necessário avançar sobre a velha ordem que agoniza, mas que precisa ser empurrada para que possa desmoronar.
Colocar-se em movimento pode até ser uma questão de escolha, ainda que provisoriamente, para segmentos médios que apreendem às manifestações como um espaço amistoso para encontrar amigos do trabalho e que o momento máximo emerge a partir do flash do celular, na foto mais reluzente para as redes sociais. Entretanto, pôr-se em movimento para a classe trabalhadora mais subalternizada que sofre as consequências de forma mais intensa do aprofundamento das políticas neoliberais, não é uma questão de escolha, mas sim necessidade de sobrevivência.
Por isso, sem recuos nem tergiversações, neste 07 de setembro, ao lado do tradicional Grito dos Excluídos e ombreados com os trabalhadores, estaremos presentes em todos os estados do país!
FORA BOLSONARO, MOURÃO E GUEDES!
PELO PODER POPULAR NA CONSTRUÇÃO DO SOCIALISMO!
Referências:
IASI, Mauro. Educação e consciência de classe: desafios estratégicos. Perspectiva, Florianópolis, v. 31, n. 1, 67-83, jan./abr. 2013.
MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. Tradução de Rubens Enderle, Nélio Schneider e Luciano Cavine Martorano. Apresentação de Emir Sader. São Paulo: Boitempo. 2007.
REICH, Wilhelm. Psicologia de Massas do Fascismo. Tradução: Maria da Graça M. Macedo. 3ª. ed. São Paulo: Martins Fontes. 2001