Por Rafael Jácome, Professor de Filosofia e membro do PCB – MG

Antes mesmo que o ar eufórico deixado pela recente revolta popular nos EUA se dissipasse, alguns militantes e simpatizantes das organizações de centro esquerda se pronunciaram questionando as recentes manifestações que acontecem no Brasil e o suposto caráter “antifascista” destas. Os mais pessimistas, indagaram sobre quem estava por trás e onde nos levaria uma revolta nas ruas nesse momento da conjuntura brasileira? Já que para esses setores o melhor a fazer é esperar até 2022, e evitar uma possível radicalização da base bolsonarista, o que levaria a um golpe de Estado militarista no Brasil. Esses questionamentos são tocados em um tom de desconfiança extrema, misturada com o medo do que está por vir.

As razões para tal posicionamento vacilante por parte da centro esquerda no nosso entender, se dá pela exclusividade que estes setores atribuem a via institucional, isto é, ao que ficou conhecido como cretinismo parlamentar, para eles a única forma de enfrentar a extrema-direita. Nesse sentido, enxergam o retorno das lideranças sociais-democratas aos postos e cadeiras do Estado como a mais segura alternativa para o enfrentamento do bolsonarismo, desconsiderando a que a mobilização e a luta popular é capaz de unificar e consolidar o bloco-proletário e popular na luta contra nossos inimigos de classe. Esquecem-se do campo minado que é a fé cega na institucionalidade para esquerda, sobretudo após o golpe contra a ex-presidenta Dilma (PT) em 2016.

O interessante é que essa forma de fazer política sintetiza a lógica imobilista e conformista, expressas em diversas intervenções públicas da figura mais expressiva do campo socialdemocrata no Brasil, o ex-presidente Lula. A liderança máxima do petismo vinha pedindo pela não adoção do “Fora Bolsonaro”, já que isto significaria um risco à “democracia”. Desse modo, Lula é didático em demostrar a lógica social democrata, o que nos permite também derivar disso o senso comum resignado que foi perpetrado por anos de conciliação de classes, em diversos setores das camadas trabalhadoras. 

Não obstante, esses mesmos sociais-democratas que criticam as organizações radicais de esquerda por serem ortodoxas demais, “sectárias” demais por buscarem reafirmar à necessidade da derrubada violenta do capitalismo pela ação independente e autônoma dos trabalhadores, agora exigem uma frente antifascista esclarecida desde o princípio sobre seus meios e fins, com propostas a priori e idealisticamente seguras para solução da crise política que hoje vivemos. Claro, que o que estes setores buscam é deslegitimar a ação realizada de forma autônoma e independente pelas torcidas organizadas que não pediram autorização às burocracias sindicais e partidárias para realizar manifestações nas principais cidades do pais contra o fascismo e em defesa das liberdades democráticas. Sob a ótica socialdemocrata, uma frente antifascista deve ser operada visando reconstituir o antigo bloco de poder que vigorava nos governos de conciliação de classe petistas. Dessa forma, a frente deve ser centrada nos preceitos da democracia liberal burguesa, tendo sua composição social heterogênea compostas por figuras como Rodrigo Maia, Doria, Caiado etc. Figuras que no passado recente pavimentaram o caminho para a ascensão de Bolsonaro e estiveram na condição de operadores do desmonte dos direitos dos trabalhadores. Sobre a frente ampla e a exclusividade dada a luta parlamentar para combater o fascismo, Gramsci foi um dos primeiros a demonstrar os limites desta tática e como as ações vacilantes do Partido Socialista Italiano (PSI) permitiu a ascensão do fascismo na Itália.

 O momento histórico em que o Brasil se encontra parece se inclinar para um desfecho como Mauro Iasi adverte em seu Café Bolchevique, as movimentações do governo Bolsonaro em consonância com a agenda militarista podem nos levar a uma situação de guerra civil. Nada mais oportuno para uma conjuntura como essa, em que os militares parecem querer cada vez mais voltar ao protagonismo da dominação burguesa. Em meio à crise institucional instalada já antes instalada, os militares vêm ganhando cada vez mais autonomia e é hoje o principal setor que avaliza o Governo Bolsonaro. Portanto, independentemente do desfecho da trama conjuntural, o partido militar será um ator de destaque nos eventos futuros.

A possibilidade de uma mobilização agressiva antibolsonarista para as próximas semanas já está desenhada. Se irá se concretizar ou não, se ganhará força ou não, não sabemos ainda, mas não cabe a nós desestimular, caso tenhamos em nossa agenda de lutas o momento de consolidação de um bloco de luta dos trabalhadores capaz de fazer pressionar os próximos movimentos da cúpula bolsonarista. E não, não será culpa dessa mobilização um possível golpe. Desculpas para um golpe vêm de todos os lados. Devemos levar em conta que a “genética” política do bolsonarismo é golpista e oportunista o bastante para tal, bem como o fato de que nos encontramos em situação de crise econômica do capital. O que não tem desculpa é esse medo da classe trabalhadora na rua. Ainda mais vindo de setores que, até ontem, ganhavam eleições com as simbologias construídas pelos trabalhadores em luta. 

Obviamente não esquecemos das cautelas no combate à propagação de uma pandemia que afeta diretamente os trabalhadores. Mas cabe aqui lembrar que as deliberações que mais desconsideraram as medidas no trato da pandemia, vieram justamente do governo golpista, explorando a despolitização da classe trabalhadora em favorecimento de manifestações assassinas de flexibilização da quarentena, dirigidas por setores burgueses e pequenos burgueses que são e movimentam sua base política no seio da população. Isso leva milhões de trabalhadores ao risco direto de contaminação. Cabe ressaltar também que, além do crescente desemprego que já imperava antes da pandemia, os recentes investimentos do governo para salvar as grandes empresas acentuam a precarização do SUS no combate a COVID19 e também as políticas de amparo social, causando uma situação ainda maior de vulnerabilidade das camadas proletárias. Logo, a burguesia intensificam as condições para a revolta!

O papel dos comunistas, e das diversas organizações políticas, é entender que no momento em que as condições históricas do capitalismo apresentam uma de suas maiores crises e as classes dominantes não mais garantem nem as condições de reprodução física da força de trabalho, as relações de exploração se colocam em xeque. Por isso devemos ampliar nossa participação qualificada nos momentos iniciais, intermediários ou finais das mobilizações em curso. Empunharemos as bandeiras do antifascismo, desmascarando o que sempre esteve por trás da mão invisível do mercado: o punho de ferro da burguesia!