Osvaldo Teodoro
Mestre em Educação, Professor efetivo de História da Rede Estadual de Minas Gerais, Militante da Unidade Classista e do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

 

“O que se vê habitualmente é a luta das pequenas ambições (do próprio [interesse] particular) contra a grande ambição (que é inseparável do bem coletivo)”.
Antonio Gramsci

Nos primeiros dias de fevereiro, milhares de trabalhadores da rede básica estadual de educação retornarão às escolas para o início do ano letivo. Em 2023, infelizmente, a categoria colecionou derrotas. Não conseguimos, mais uma vez, avançar para que o estado de Minas Gerais cumpra a legislação vigente e garanta o pagamento do piso salarial, as designações de trabalhadores da educação – expressão da atual precarização das relações de trabalho – seguem naturalizadas (cada ano de forma mais selvagem), o reajuste salarial, efetivado apenas no segundo semestre, estabeleceu-se abaixo do indicado e a categoria ainda sofreu com o pagamento do retroativo em muitíssimas parcelas. Não bastasse, nos últimos dias do ano, os trabalhadores da educação receberam a notícia da negação do rateio do FUNDEB[1]. Na esteira das grandes ameaças, anexa-se o projeto Somar[2], a municipalização das escolas e a inserção de Minas Gerais ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Vale ressaltar, esta última, asfixiaria direitos vitais para toda a população mineira.

Ora, mas o que estaria obstaculizando, de forma frequente, os avanços mais imediatos da categoria? É verdade que passamos, nos primeiros anos do século XXI, um período de apassivamento da classe ou se preferirmos, para utilizar uma expressão do genial Florestan Fernandes, experimentamos uma “democracia de cooptação[3] forjada na esfera federal, porém, não afastando-se das contradições, reverberando nas relações entre estados e munícipios. O tortuoso desenvolvimento desta via que priorizava a governabilidade como estratégia e, para tanto, na medida em que cedia para setores, entre outros, monopolistas, do agronegócio e do capital financeiro, era obrigado a restringir as demandas populares. O limite deste caminho deu-se em 2016, quando os próprios setores do capital, tão bem tratados neste período, decidiram romper o pacto estabelecido, evidenciando assim os limites da estratégia adotada na última quadra.

A partir de 2016, setores dominantes no Brasil não conseguem manter seus padrões de acumulação, intensifica-se ascensão de uma agenda ultraliberal, assim, pútridas criaturas que habitavam os esgotos emergem à superfície, ganham protagonismo e assumem o poder político. No estado de Minas Gerais o roteiro é muito similar e, nesta toada, eleva-se à condição de governador um personagem caricato e infame, Romeu Zema, eleito através do partido NOVO que possui como bandeira, entre outras atrocidades, a defesa da anarquia do mercado, a gestão empresarial do Estado, as privatizações, a precarização das leis trabalhistas e a supressão dos direitos sociais. Pois bem, seria então a atual conjuntura e as pautas ultraliberais do atual governo mineiro que arrefeceram os avanços das demandas dos trabalhadores da educação de Minas Gerais?

Parece-nos que a resposta desta questão não pode ser construída de forma superficial; é inegável que um governo ultraliberal vai de encontro, ainda de forma mais descarada, aos interesses dos trabalhadores. Entretanto, trabalhadores da educação, muitos deles, ligados ao movimento sindical, insistem na aligeirada ideia de que a culpa da ascensão do atual governo mineiro é de determinados setores da população, inclusive seus companheiros(as) de trabalho, que por “ignorância ou insensatez” elegeram o então mandatário. Essa ladainha, fomentada por setores da atual direção do sindicato da categoria, nos mantém reféns das fracassadas políticas de conciliação do último período.

Essa posição se afirma por uma profunda incompreensão do que é o Estado, assim, não se apanha este aparelho como a expressão das relações sociais de produção, bastaria, desse modo, que a grande maioria da população apoiasse um governo, à primeira vista, mais alinhado com as demandas populares e assim seria possível resolver as assimetrias entre governo e a população. Para além de não se buscar uma compreensão que abarque o contexto histórico, de passar longe do entendimento de uma categoria fundamental, ou seja, a ideologia, nega-se o movimento da formação da consciência de classe que avança e/ou recua de acordo com o grau de desenvolvimento da luta de classes. Assim, não se reflete porque trabalhadores apoiaram determinados projetos, amoldando-se em ideias contrárias aos seus próprios interesses e, muito menos, faz-se possível distinguir os trabalhadores desiludidos com últimos governos de conciliação dos reais inimigos de classe. Verificamos, nesta concepção, um posicionamento antipedagógico (diga-se de passagem, algo alarmante, sobretudo, tratando-se de trabalhadores da educação).

Neste sentido, é necessário mudar o ângulo da análise e nos perguntarmos: qual é a nossa responsabilidade neste conjunto de derrotas? Nesta trama, destacamos o aparelho sindical como essencial. Sabemos dos limites da luta sindical, expostos tão bem por Lenin[4], mas, ao mesmo tempo, não é possível negligenciar a sua importância histórica no desenvolvimento da luta de classes. Nas palavras de Lenin (1977, p. 294):

Os sindicatos representam um progresso gigantesco da classe operária nos primeiros tempos de desenvolvimento do capitalismo, uma vez que significavam a passagem da dispersão e da impotência dos operários aos rudimentos da união de classe. Quando a forma superior de união de classe dos proletários começou-se a desenvolver-se, o partido revolucionário do proletariado (que não merecerá este nome enquanto não souber ligar os líderes à classe e às massas em um todo único e indissolúvel), os sindicatos começaram a manifestar fatalmente certos traços reacionários, certa estreiteza gremial, certa tendência ao apoliticismo, certo espírito rotineiro, etc. Mas o desenvolvimento do proletariado não se realizou e nem podia realizar-se em nenhum país de outra maneira senão por meio dos sindicatos e por sua ação conjunta com o partido da classe operária.

Decerto, é possível notar, quando direções sindicais defendem determinadas posições empobrecidas, destaca-se, como citado acima, traços reacionários, estreiteza gremial, e uma certa tendência ao apoliticismo. Ao passo que não se pode atribuir exclusivamente o conjunto de derrotas da categoria as incipientes ações sindicais, ao mesmo tempo, não podemos deixar de estabelecer conexões. No último período, para além de ouvir que “a culpa é do Zema[5] ou “a culpa é de quem votou no Zema” (refletindo a posição simplificada de que bastaria ter votado em outro), obtivemos adesões insatisfatórias às paralisações, constatamos a incondicional aposta no poder judiciário – ignorando o seu conteúdo de classe –, observamos a tutela das demandas dos trabalhadores para determinados deputados, ou seja, o confinamento da luta de classes à via institucional.

Ora, não há como lutar apenas com as armas concedidas pelos inimigos, não se pode circunscrever o movimento ao burocratismo, pode-se, menos ainda, afastar as bases da direção. O que modifica a correlação de forças nas quadras mais difíceis da história é a pressão popular, é o movimento de massas, é a ação organizada dos trabalhadores e um sindicato legitimamente classista tem um papel preponderante nesta articulação. Neste sentido, a partir do verificado, é possível apanhar um dilema; por um lado, ou as forças políticas que hegemonizam a luta sindical dos trabalhadores da educação básica de Minas Gerais se fundamentam na ausência de táticas que estejam articuladas com qualquer estratégia concreta ou, por outro lado, se estabelece, entre esses companheiros(as), a crença otimista nas possibilidades da pequena política.[6].

No rol das ameaças já citadas, em boa medida, só foi possível frear, ainda que de forma momentânea”, o RRF pelo protagonismo da Frente Mineira em Defesa do Serviço Público, um agrupamento de várias entidades e movimentos sociais no qual estão inseridas organizações que não se pautam apenas pelas articulações palacianas, tampouco apostam todas as suas cartas em ações judiciais e, algumas delas, não costumam rifar a sorte dos trabalhadores entre os interesses dos deputados. A prática social deve ser encarada como artífice para a elaboração das nossas lutas, ou fazemos e refazemos autocrítica de forma constante das nossas ações, dando um giro no nosso aparelho sindical, radicalizando nossas ações, inserindo-se na batalha das ideias, conectando-se com outras categorias na busca por unidade, envolvendo a juventude, mediando o avanço da consciência de nossos companheiros(as) a partir de ações que devem ser construídas de baixo para cima, isto é, num total intercâmbio entre a base e a direção, ou, neste ano que começa, a categoria dos trabalhadores da educação básica de Minas Gerais estará fadada a colecionar mais derrotas.

 

Referências:

  1. I. LÉNINE. Obras Escolhidas de V. I. Lénine. Edição em Português da Editorial Avante, 1977, t3, pp 275-349. Traduzido das Obras Completas de V. I. Lénine; 5ª Ed. russo t.41 pp 1-104

 

[1] Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.

[2] O Projeto Somar tem como objetivo transferir a administração de escolas estaduais para a iniciativa privada. É um claro movimento de drenar recursos públicos para iniciativa privada, além de intensificar a formação dos filhos da classe trabalhadora a partir de ideologias ultraliberais.

[3] Para Fernandes […] a democracia de cooptação tem como função a integração esterilizante das pressões dos de baixo, permitindo a articulação política “entre os mais iguais” em nova forma; promove, ao mesmo tempo, o consentimento das classes; pressupõe interesses-valores variados em conflito na cena política, a institucionalização do poder político excedente, abertura para os “de baixo”, para os movimentos de protestos, promovendo a manutenção de um capitalismo dependente bem como um sistema democrático restrito. Ver: FERNANDES, Florestan. A revolução Burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.

[4] Ver: LENIN. Que fazer? Problemas candentes de nosso tempo. Expressão Popular, 2015.

[5] Vale lembrar o destaque que Marx fez no livro I d’O Capital: “De modo algum retrato com cores róseas as figuras do capitalista e do proprietário fundiário. Mas aqui só se trata de pessoas na medida em que elas constituem a personificação de categorias econômicas, as portadoras de determinadas relações e interesses de classes. Meu ponto de vista, que apreende o desenvolvimento da formação econômica da sociedade como um processo histórico-natural, pode menos do que qualquer outro responsabilizar o indivíduo por relações das quais ele continua a ser socialmente uma criatura, por mais que, subjetivamente, ele possa se colocar acima delas (2017, p. 115-116).

[6] A pequena política está relacionada a manutenção e/ou a legitimação das conexões de poder entre dirigentes e dirigidos, está prática estaria ligada a política cotidiana, das intrigas, dos jogos que se dão no interior dos palácios, apresentando-se sempre de forma parcial e por dentro de uma estrutura determinada. Ver: GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Vol. 3. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2013.