Não há possibilidade de humanização do capitalismo nem de qualquer relação que o estruture. Assim, é preciso pautar e construir a necessidade de sua superação. Esta é a única certeza possível à classe trabalhadora.

Dentre as várias inquietações/indagações e questões que perpassam o tempo presente, aponto uma que considero central: O que deixaremos para as gerações futuras?

Colocadas essa grande inquietação/indagação e a única certeza no sentido de garantia da nossa própria existência enquanto gênero humano, é fundamental entendermos que “os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sob as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram.” (Marx, 2011, p.25)

Essa clássica afirmação remete a assumir a história como fundamento,  o que implica em pensar um ‘de onde pra onde’, remete ainda à existência da luta de classes, (MARX, ENGELS, 2008) o que implica em considerar a realidade, que neste início de século XXI é permeada pelos antagonismos cada vez mais agravados entre as classes sociais fundamentais (burguesia e proletariado) e por uma pandemia que assola o mundo inteiro.

Nesse sentido, entendemos e localizamos a pandemia de COVID-19 como mais um elemento que explicita o estado de putrefação deste sistema econômico-produtivo e de relações sociais pautado na compra e venda da força de trabalho, na exploração de trabalhadores e trabalhadoras e na propriedade privada dos meios de produção, ou seja, é mais um elemento das, e que agrava, as crises estrutural e cíclicas do capital. 

O informe especial COVID-19, n.05 da CEPAL, publicado em 15 de julho, afirma que “La economía mundial experimentará su mayor caída desde la Segunda Guerra Mundial y el producto interno bruto (PIB) per cápita disminuirá en el 90% de los países, en un proceso sincrónico sin precedentes.” (p.01) […] “En 2020, el PIB mundial se reducirá un 5,2%.” (p.01) […] “El valor de las exportaciones regionales [América Latina y el Caribe] caería cerca de un 23%, con una disminución de los precios del 11% y una contracción del volumen del 12%, debido principalmente a la agudización de la contracción de la demanda mundial.” (p. 04) […] “La producción industrial en México cayó un 29,3% interanual en abril, mientras que la actividad total de la economía en el mismo período disminuyó un 26,4% en la Argentina, un 15,1% en el Brasil, un 14,1% en Chile, un 20,1% en Colombia y un 40,5% en el Perú.” (p.09) […] “Sobre la base de estimaciones de los efectos de los procesos en curso, la CEPAL proyecta, para el conjunto de la región, una caída promedio del PIB del 9,1% en 2020, con disminuciones del 9,4% en América del Sur, el 8,4% en Centroamérica y México, y el 7,9% en el Caribe, sin incluir Guyana, cuyo fuerte crecimiento lleva el total subregional a una caída del 5,4%.” (p.09) […] “la caída de la actividad económica redundará en que, al cierre de 2020, el nivel del PIB per cápita de América Latina y el Caribe sea similar al observado en 2010” (p.10) “se espera que la tasa de desocupación regional se ubique en alrededor del 13,5% al cierre de 2020” (p.10) […] “el número de desocupados llegaría a 44,1 millones de personas, lo que representa un aumento cercano a 18 millones con respecto al nivel de 2019 (26,1 millones de desocupados).” (p.10) […] “La CEPAL proyecta que el número de personas en situación de pobreza se incrementará en 45,4 millones en 2020, con lo que el total de personas en situación de pobreza pasaría de 185,5 millones en 2019 a 230,9 millones en 2020, cifra que representa el 37,3% de la población latinoamericana. Dentro de este grupo, el número de personas en situación de pobreza extrema se incrementaría en 28,5 millones, pasando de 67,7 millones de personas en 2019 a 96,2 millones de personas en 2020, cifra que equivale al 15,5% del total de la población.” (p.10-11).

A pandemia explicitou através da contaminação, adoecimento e mortes em massa por uma doença ainda sem cura, que nesta sociabilidade nossas vidas não importam, que somos descartáveis. Isso, num contexto de ausência de um mais elevado nível de ‘consciência de classe’ apenas demonstra que a indiferença e a busca por resoluções individuais, imediatistas, fragmentadas e reformistas é o que domina os âmbitos e relações constituídas, seja as familiares ou institucionais.

Considerando este panorama, outra inquietação/indagação surge: Como seria possível pautar o ‘reconhecimento humano genérico’ como princípio ético de organização das relações e da operacionalização da educação superior pública neste contexto de pandemia? Primeiramente, é preciso reconhecer o que se põe como princípio que fundamenta hegemonicamente as questões nesse âmbito e tempo histórico, ou seja, o projeto do capital para a Educação.

A educação é uma mercadoria altamente rentável. Assim como a saúde e a previdência social. A possibilidade da oferta privada destas que são também políticas sociais públicas, isto é, que compõem o sistema de direitos e de seguridade social brasileiro garantido na CF/88 se dá nessa mesma legislação e nas Leis Orgânicas promulgadas posteriormente. Nestas legislações específicas fica explícita a possibilidade de o mercado ofertar tais âmbitos enquanto mercadoria a ser comprada por aqueles que podem pagar, quanto aos demais o Estado se encarregaria de garantir algum acesso. Situação que se põe de forma muito paradoxal, pois a previdência social é concebida e organizada a partir da lógica do seguro, ou seja, paga-se/contribui-se para posteriormente usufruir algum de seus benefícios. A saúde é de acesso universal, porém pelo não investimento e estruturação do sistema público (SUS), o que se põe é a oferta e a adesão massiva aos planos privados de saúde. A educação é, podemos dizer, parcialmente universal. Garante-se, inclusive por legislações como o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) o acesso até uma faixa de ensino, após, essa garantia não é mais para todas e todos, é para aquelas e aqueles que conseguirem se inserir através de formas de acesso como o vestibular ou o ENEM-SISU e conseguirem se manter na instituição.

Estas premissas de organização das políticas sociais públicas, consequentemente do Estado brasileiro ao que se refere ao atendimento das demandas legítimas da população são fundamentadas e organizadas a partir da lógica de capitalismo dependente e subordinado às economias centrais, e pelo ideário neoliberal, que adentra o Estado brasileiro muito fortemente no mesmo período em que o país vivencia o contexto ditatorial, por meio da aceitação de relação subordinada às nações imperialistas, especialmente aos EUA, que se apresenta também no processo de democratização popular quando da promulgação da Constituição Federal, legislação que traz avanços em relação ao período anterior, mas que não rompe em absoluto com as premissas que organizavam tal contexto, e que se agrava ainda mais ao longo das décadas posteriores, 1990 com os governos Collor e FHC, 2000 com os governos petistas, 2010 com os governos petistas e a ruptura do pacto entre classes que  permitiu a chegada ao poder, culminando com a opção ultra-liberal do governo Temer e do atual governo protofascista sob o comando de Bolsonaro.

Nesse sentido, acerca da política de educação é relevante mencionar que passados 1 ano e 7 meses do (des)governo Bolsonaro, já foram quatro os ministros de educação. Todos portando e assumindo referências ideológicas que em nada se aproximam da lógica de educação enquanto direito social. Convém ressaltar ainda, que para garantir certa legitimidade na continuidade do (des)governo Bolsonaro o Ministério da Educação é cobiçado pelas diferentes forças que compõem ou que podem rachar com o governo, pois é uma pasta que movimenta um expressivo montante financeiro, sempre em disputa, como vivenciamos a poucos dias com a questão de manutenção ou não do FUNDEB. A resultante última desta correlação de forças é que recentemente assumiu o Ministério da Educação mais um perfil despreparado e equivocado para tal empreitada. Um pastor, que já manifestou publicamente posições e concepções que não o legitimam para a pasta e cargo.

Disso resulta e se agrava cada vez mais uma grande disputa no seio da educação: se colocar e assumir uma perspectiva ampla e generalista de formação humana ou se voltar para a formação ao mercado de trabalho, reduzir-se à formação de mão-de obra minimamente qualificada?

A educação terciária voltada à educação continuada, ao treinamento profissional para atender as requisições do mercado de trabalho é o que prepondera no ensino superior, seja via cursos cuja própria nomenclatura porta o termo “técnico” ou daqueles que não portam essa especificação nos próprios nomes. Essa opção se fundamenta fortemente no aligeiramento da formação, na flexibilização dos conteúdos e currículos, e na própria modalidade em que o conteúdo é repassado aos discentes.

Nesse sentido o Ead cumpre um papel emblemático: o de garantir certificação em larga escala, formar minimamente grande parcela da população, consequentemente, contribui para o aumento da concorrência entre a própria classe trabalhadora quando da busca por inserção no mercado de trabalho e para o rebaixamento salarial. Queremos dizer que ofertar um mínimo acesso à educação de forma flexibilizada e precarizada não se inscreve na defesa que fazemos do acesso à educação para formação das novas gerações de profissionais, pelo contrário, está em via oposta àquilo que defendemos para as futuras gerações.

Tal contexto de ampliação do domínio do capital sobre a educação comprova ser ingênuo considerar esta modalidade de ensino, a partir da sua generalização prioritariamente pela via do mercado, como uma alternativa exitosa de acesso à educação e à formação pela classe trabalhadora. É facilmente desmontada qualquer referência estruturalmente positiva a essa forma superficial e parcial de entendimento e operacionalização de modalidade de ensino quando olhamos para os índices altamente lucrativos dos grandes conglomerados que a ofertam de modo massivo, quando percebidas as lacunas na formação dos discentes tais como: ausência de participação em ações extensionistas e de pesquisa, formação a partir de cartilhas – compilados de conteúdo e não através de livros, artigos científicos, de leituras diretamente nas fontes dos conteúdos, falsificação e/ou tentativas de burlar os períodos, cargas horárias e documentações de estágio, dentre outras situações recorrentes e que são denunciadas por entidades representativas das profissões, por exemplo.

Neste inóspito contexto, também consideramos ingênuo acreditar que o Ensino Remoto assumido de maneira ampla e imediatista pelas Instituições de Ensino Superior (IES) públicas em tempos de pandemia pode ser democrático, não excludente e não seletivo. É impossível qualquer democratização de acesso e de inclusão digital sem maiores e profundas transformações das próprias instituições de ensino, isto é, sem se pautar e ampliar o financiamento da política de educação no país, sem se pautar que o ensino superior “universitário ou técnico” não pode ser reduzido apenas à perspectiva de ensino via repasse de conteúdo em disciplinas que podem ‘ser facilmente modificadas’, e em um contexto tão adverso como este da pandemia, se transformar de ‘presencial para remoto pela simples permissão institucional’, isto é, através de pactuações pelo alto, pela modificação de legislações até então vigentes e pelo restrito aspecto democrático que editais portam em seus critérios de acesso. 

Convém ressaltar que esta permissão institucional de operacionalizar e ofertar o ensino remoto em tempos de pandemia parte primeiramente do MEC, parte do governo Bolsonaro. Contém as premissas de um governo negacionista, que difunde a imbecilização como algo valoroso, anti-ciência! Como isso pode ser compreendido e aceito pelos órgãos gestores, colegiados e pela comunidade acadêmica das IES enquanto sinônimo de inclusão, de preocupação com a formação dos estudantes brasileiros, de preocupação com a categoria docente e de cumprimento aos direitos conquistados historicamente pela categoria? Repita-se: tudo isso ocorrendo em meio a uma pandemia!

É explicito que a aceitação – ingênua/romântica, bem como a posicionada/alinhada – a esta ‘alternativa do capital para a educação em tempos de pandemia’ atende a um grande interesse e objetivo dos seus expoentes (conglomerados do ensino privado, do EAD) e do (des)governo em vigência: fragmentar a categoria docente, suas bandeiras de lutas e seus direitos trabalhistas, fragmentar a construção articulada de pautas entre docentes e discentes, e em última instância, o desmonte da educação pública e o repasse deste lucrativo âmbito à iniciativa privada.

Ser contrário à implementação do Ensino Remoto, tenha ele tomado qualquer que seja dos vários ‘apelidos’ a ele dados nas diferentes IES país afora, significa defender o ensino presencial, de qualidade, aquele feito a partir da direta interação entre docente e discentes, nos espaços propício para tanto: as universidades, os institutos federais, os CEFETs, os centros de ensino, as escolas, seja nas salas de aula, nos laboratórios, nas bibliotecas, nas excursões curriculares, nas visitas institucionais, nas idas a campo, nas ações extensionistas, nos grupos de estudos, dentre outros. Significa, não aceitar, como a única alternativa possível de ser realizada e acontecer em tempos de pandemia, dar aulas em lugares improvisados dentro na própria casa da e do docente, em lugares com dinâmica privada-familiar de funcionamento, sem condições objetivas-materiais e subjetivas-profissionais. Significa não aceitar a precarização das condições de operacionalizar o trabalho docente e acima de tudo significa reconhecer que essas situações árduas se põem também, e com muita expressão, no cotidiano e vida dos e das estudantes, e que ao desconsiderá-las, se aceita a exclusão destes e destas do ensino público, direito social.

Assumir esse entendimento e posição faz cair por terra outro argumento utilizado pelos defensores dessa saída imediatista, o de que as e os docentes devem deixar de serem arcaicos e passarem a ser criativos e utilizarem tecnologia para o desenvolvimento de suas aulas. Definitivamente este é um argumento superficial e equivocado, que apenas contribui para fragmentar a categoria. Não se trata de negação da utilização de tecnologias na docência, afinal estas compõem o que entendemos e denominamos como desenvolvimento das forças produtivas pelo gênero humano e que deve ser apropriada pela ampla maioria, não apenas aos que podem comprar estas que se configuram em mercadoria nesta sociabilidade em que vivemos. 

Se trata sim, de entender o que está por trás dessa generalização via Ensino Remoto, se trata de pautar a questão das grandes corporações de tecnologia, informação e comunicação, e da apropriação de informações e de dados pessoais e institucionais, situação que está ocorrendo sem maiores questionamentos e reflexão dos órgãos gestores da IES e do próprio corpo docente e estudantil. De modo mais aprofundado isso se trata de apropriação indevida de saberes e conhecimentos que são desenvolvidos nos espaços públicos e que podem ser apropriados indevidamente pelo capital. Isso remete ainda à questão da segurança e da autonomia docente e discente quanto ao desempenho de suas funções, especialmente a de liberdade de cátedra, liberdade de pensamento, preservação do pluralismo de ideias no âmbito do ensino superior público.

Assim, não podemos desconsiderar o atual contexto de ofensiva e de desmonte dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras da educação. Nas IES já há 03 regimes de previdência distintos em vigência. Isso significa que foram 03 ataques e perdas da categoria docente quanto aos direitos trabalhistas/previdenciários. Não podemos desconsiderar a condição precária dos trabalhadores e trabalhadoras terceirizados, condição cada vez mais ampliada dentro da IES e que é requisitada para o cumprimento de atividades relevantíssimas, tais como, limpeza, segurança, alimentação, etc. Essas questões não são despretensiosas ou menos importantes, são parte do processo em pleno avanço de destruição das carreiras docentes e diante disso precisamos nos atentar ao que se está sendo denominando como “nova normalidade de trabalho pós pandemia”. 

Queremos dizer que não voltaremos àquela normalidade de trabalho antes da pandemia, que já era precária e que já vínhamos denunciando e lutando contra as incessantes e recorrentes perdas de direitos, uma vez que as condições para tanto foram sucumbidas e não haverá um amplo e qualificado processo de reorganização das condições laborais por parte dos empregadores no sentido de manter àquela normalidade nas relações de trabalho, ou seja, o que se põe no horizonte imediato é o acirramento da barbárie capitalista. O trabalho remoto/home office está se colocando como uma realidade no pós pandemia. Várias empresas já estão implantando de modo definitivo essa modalidade de trabalho, pois perceberam que ‘reduz custos’ e que está sendo ‘passivamente aceita pela classe trabalhadora’ a fim de se manter inserida no mercado de trabalho, num país em que os índices de desemprego aumentam a cada dia. 

Não podemos deixar isso acontecer e se enraizar no âmbito do ensino superior público, pois o objetivo do (des)governo também é ‘reduzir custos’, ou seja, cumprir o esperado pelo capital e retirar condições mínimas de o trabalho acontecer, de proteção ao trabalhador e à trabalhadora, garantir o superávit primário, o cumprimento da EC95, o pagamento dos juros e amortização da dívida pública, e não os direitos, demandas e interesses da classe trabalhadora. Essa perspectiva já foi anunciada pela (des)governo federal no dia 30 de julho: “Com a pandemia do novo coronavírus, segundo a pasta [Ministério da Economia], quase dois terços da força de trabalho do Executivo federal passaram a atuar em casa. O governo diz ter economizado mais de R$ 360 milhões nos últimos quatro meses, graças ao home office. […] O número é impulsionado pelo fato de instituições de ensino federais, como as universidades, estarem fechadas. […] o teletrabalho não será mais tratado como um “procedimento de exceção, feito de forma excepcional”. […] “Com o teletrabalho, poderemos ter mais produtividade e reduzir custos. A experiência do trabalho remoto forçado, por causa da pandemia do novo coronavírus, nos mostrou que isso é possível” […] De acordo com dados oficiais, houve uma economia de R$ 270 milhões entre abril e junho com despesas com diárias e passagens, além de mais R$ 93 milhões, entre março e maio de 2020, com a redução de outras despesas – adicional de insalubridade, de irradiação ionizante, periculosidade, serviço extraordinário, adicional noturno e auxílio transporte. […] despesas com internet, energia elétrica, telefone e outras semelhantes são de responsabilidade do participante que optar pela modalidade de teletrabalho.” (MARTELLO, 2020). 

Essa ofensiva que se dará aos trabalhadores é parte do cenário de recessão mundial que já vinha se impondo e que com a pandemia se agravou. O contexto laboral da classe trabalhadora brasileira após quatro meses de reconhecimento dessa situação no país e, diga-se, de respostas pífias ou de falta de respostas às suas expressões no mercado de trabalho brasileiro por parte dos governos federal, estaduais e municipais em muito se agravou. Segundo dados da 15ª edição do boletim Emprego em Pauta do DIEESE, publicado em 21/07/2020, no país somam-se 18,5 milhões de brasileiros que não trabalharam e não procuraram ocupação, 19 milhões de pessoas foram afastadas do trabalho e 30 milhões tiveram alguma redução de renda. Já para os do andar de cima, ou seja, as classes dominantes, os índices são outros, muito favoráveis. Segundo relatório publicado pela OXFAN no dia 27 de julho, “a fortuna de 73 bilionários das duas regiões [América Latina e Caribe] aumentou US$ 48,2 bilhões entre março e meados de julho — uma alta de 17%. No seleto grupo de mais ricos, 42 estão no Brasil. De acordo com a ONG, o patrimônio dos bilionários brasileiros cresceu US$ 34 bilhões no período, para US$ 157,1 bilhões.” (MARTINS, 2020). Diante disso, qual a saída que se põe a nós trabalhadores e trabalhadoras se não a luta e organização coletiva?

Outra, das várias questões urgentes e importantes de serem pautadas e construídas coletivamente diz respeito à volta das atividades presenciais nas IES. Há diferentes posições: alguns consideram que isso não será possível tão cedo, outros consideram ser possível já no início do próximo ano ou antes. A realidade é dinâmica, a cada dia temos um cenário diferente, diga-se, mais agravado, então consideramos que não cabe maiores especulações sobre quando a volta se dará. Há vários elementos que precisam ser considerados, tais quais: a existência de vacina com eficiência comprovada, o fato de algumas IES já terem replanejado suas ações de modo remoto até o final de 2020, etc. 

O que é relevante pautar desde já, considerando que esse retorno pode se dar em médio ou a longo prazo, é a estrutura necessária para um retorno seguro, mesmo após termos uma vacina. É fundamental problematizarmos que dar e ter aulas em contêineres nunca foi algo estruturalmente adequado, que salas de aula superlotadas e com pouquíssima ventilação e sem ventiladores ou ar-condicionado nunca foi adequado, dentre outras situações que a “velha normalidade” nos obrigava a suportar e a conviver. Sem falar da falta de estruturação de laboratórios, bibliotecas, etc, no sentido de atender condignamente a comunidade acadêmica. Diante disso, mais uma indagação vem à tona: Como está sendo pautada a questão do retorno presencial às IES? Teremos condições para isso acontecer de modo seguro a todos, especialmente aos docentes, discentes e técnico-administrativos que são do grupo de risco?

Apontadas algumas das indagações e inquietações que tem saltado à mente considerando os dilemas e embates vivenciados em tempos de pandemia, sendo o principal deles a luta pela sobrevivência, resgatamos os dizeres de Florestan Fernandes (1996) quando nos diz: “Que o futuro nos traga dias melhores e a capacidade de construir a Universidade que está nos nossos corações, nas nossas mentes e nas nossas necessidades. Inclusive para trazer para cá todos os talentos que podem ser aproveitados; não só os das elites, das classes dominantes, mas também das de baixo, da classe média em proletarização, dos proletários, dos trabalhadores dos campos, dos negros e de todos aqueles que são oprimidos”. 

Tal anúncio pressupõe reconhecer que os dilemas, questões e ataques não são somente sobre a educação superior pública, portanto, a saída não é individual. É preciso transitarmos da organização individual para a organização coletiva, para um projeto de sociedade que paute as demandas e interesses legítimos dos 99% da população mundial que não detém a propriedade dos meios de produção, mas apenas a sua força de trabalho para sobreviver. Reafirmamos a certeza de que a existência do gênero humano passa pela perspectiva da Emancipação Humana e isso requer fazer os enfrentamentos urgentes e imediatos do tempo presente, especialmente aos ataques e desmonte do ensino superior público em tempos de pandemia.

Observação: o processo de escrita deste texto foi finalizado após o 8º Conad Extraordinário do ANDES-SN, no qual a autora participou como delegada da seção sindical a qual é vinculada. Ao longo do evento, que teve duração de 1 dia e meio, foi anunciado o falecimento de dois colegas docentes por COVID-19. À memória deles, e de todos e todas que tiveram suas vidas ceifadas, é que dedicamos as reflexões apresentadas e a posição de lutar por dias melhores. É urgente vislumbrarmos para além da condição imediata de sobrevivência e de existir, e reafirmarmos a perspectiva de Emancipação Humana.

Quero a utopia, quero tudo e mais

Quero a felicidade nos olhos de um pai

Quero a alegria muita gente feliz

Quero que a justiça reine em meu país

Quero a liberdade, quero o vinho e o pão

Quero ser amizade, quero amor, prazer

Quero nossa cidade sempre ensolarada

Os meninos e o povo no poder, eu quero ver

São José da Costa Rica, coração civil

Me inspire no meu sonho de amor Brasil

Se o poeta é o que sonha o que vai ser real

Vou sonhar coisas boas que o homem faz

E esperar pelos frutos no quintal

Sem polícia, nem a milícia, nem feitiço pra ter poder?

Viva a preguiça, viva a malícia que só a gente é que sabe ter

Assim dizendo a minha utopia eu vou levando a vida

Eu vou viver bem melhor

Doido pra ver o meu sonho teimoso, um dia se realizar

(Música Coração Civil – Milton Nascimento e Fernando Brant)

 

Kathiuça Bertollo – Docente do curso de Serviço Social da UFOP, diretora da ADUFOP e membro do PCB-Mariana

 

Referências:

ASSOCIAÇÃO DOS DOCENTES DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO. Jornal ADUFOP- Edição Especial Pandemia, volume I. Disponível em: <https://issuu.com/adufop/docs/jornal_adufop_-_vers_o_final_?fbclid=IwAR0Ms4pnOPbAkY22oOuqOm5KR7Fri_OqOU-Zj4rGSBJx3AIgzSb2NQ899eg>. Acesso em: 21 jul. 2020.

Centro Acadêmico Igor Mendes do curso de Serviço Social da UFOP. Nota sobre o ensino remoto e pela abrangência do edital de inclusão digital. Disponível em: <https://www.instagram.com/p/CC99LTOgrRb/> Acesso em: 23 jul. 2020.

Centro Acadêmico Igor Mendes do curso de Serviço Social da UFOP. Nota sobre o EAD diante da pandemia do COVID-19. Disponível em: <https://www.instagram.com/p/B-H0qf9AKkl/>. Acesso em: 21 jul. 2020.

Comitê nega pedido do ASSUFOP e diz que testagem em massa não é conveniente no momento. Disponível em: <http://assufop.com.br/2020/07/20/ufop-nega-pedido-do-assufop-e-diz-que-testagem-em-massa-nao-e-conveniente/?fbclid=IwAR0E8ma0B1MxnzHpLkcUUGwa2jZCdjZi7mdPRYU6aU0Fj6TpcGu6DCWW7pc> Acesso em: 20 jul. 2020.

CEPAL. Enfrentar los efectos cada vez mayores del COVID-19 para una reactivación con igualdad: nuevas proyecciones. Informe especial COVID-19, n.5. Disponível em: <  https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/45782/1/S2000471_es.pdf> Acesso em: 20 jul. 2020.

DIEESE. Boletim emprego em Pauta: Primeiros impactos da pandemia no mercado de trabalho. Disponível em: <https://www.dieese.org.br/boletimempregoempauta/2020/boletimEmpregoEmPauta15.html>. Acesso em: 21 jul. 2020.

DUNKER, Cristian. Quais são os impactos psíquicos das aulas online nos alunos e professores. Disponível em <https://blogdodunker.blogosfera.uol.com.br/2020/07/24/quais-sao-os-impactos-psiquicos-das-aulas-online-nos-alunos-e-professores/>. Acesso em 28 de jul.2020.

Estudantes da UFOP receberão auxílio de R$100 para contratação de internet. Disponível em: <https://jornalvozativa.com/noticias/estudantes-da-ufop-receberao-auxilio-de-r100-para-contratacao-de-internet/

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MARTINS, Arícia. Patrimônio de bilionários brasileiros cresceu US$ 34 bilhões na pandemia, diz Oxfam. Disponível em: < https://valorinveste.globo.com/mercados/brasil-e-politica/noticia/2020/07/27/patrimonio-de-bilionarios-brasileiros-cresceu-us-34-bilhoes-na-pandemia-diz-oxfam.ghtml?fbclid=IwAR0-YxfAZpRBNL0BTY4t3S9TG6wVmqkVgJ9H20zHrbBF4sUqn2UJjImA-Eo> Acesso em: 28 jul. 2020.

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