Arquivos Capitalismo - PCB/MG https://www.poderpopularmg.org/tag/capitalismo/ Poder Popular Minas Gerais Tue, 25 May 2021 19:25:15 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.2 Fome segue crescendo e Belo Horizonte não cria auxílio emergencial https://www.poderpopularmg.org/fome-segue-crescendo/ https://www.poderpopularmg.org/fome-segue-crescendo/#respond Tue, 25 May 2021 19:25:15 +0000 https://www.poderpopularmg.org/?p=75448 LEONARDO GODIM

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Seis a cada dez brasileiros passam fome durante a pandemia. Em estimativa, são 117 milhões de pessoas que não tem acesso à alimentação digna. Desse total, 19 milhões estão em situação de insegurança alimentar grave – a falta de alimentos atinge todas as pessoas da família, inclusive crianças, e a fome é uma experiência cotidiana. Segundo dados da Oxfam, a fome grave atingiu especialmente trabalhadores rurais (14,3%), trabalhadores informais (15,7%) e desempregados (22,1%). Nessas categorias, apenas 30% das pessoas não estão sofrendo com alguma forma de insegurança alimentar.

Os dados são de 2020 e, com o fim do auxílio emergencial de R$600,00, essa situação certamente piorou. O adiamento do Censo 2021, sem previsão de ser realizado, impede que essas informações sejam obtidas e deixa para um futuro incerto a formulação de políticas direcionadas a combater o crescimento acelerado da fome em todo o país.

Os efeitos da fome são conhecidos – subnutrição, aumento da mortalidade infantil, redução da expectativa de vida, proliferação de doenças, entre outros efeitos nefastos. Mas suas causas são ocultas. Entre elas, a pandemia do coronavírus apenas agravou um cenário que o documento “Análise da Segurança Alimentar no Brasil: 2017-2018”, publicado pelo IBGE, já indicava.

Entre 2013 e 2017-2018, quando foram realizadas as duas últimas pesquisas oficiais, o Brasil retornou a patamares de insegurança alimentar piores do que os registrados em 2004. Ou seja, após um avanço positivo entre 2004 e 2013, o recuo significou uma piora drástica nas condições de vida da maioria dos brasileiros. Segundo a pesquisa – da onde extraímos a tabela abaixo – chegamos  em 2020 com um nível de segurança alimentar 20% pior que em 2004.

 

A piora da situação alimentar das famílias entre 2013 e 2018 não pode ser explicada pela pandemia. Ela coincide com a crise capitalista que inicia no mundo em 2008 e se apresenta em nosso país com maior gravidade a partir de 2013. Desde lá, uma série de políticas neoliberais vêm sendo executadas, desde o último governo Dilma, passando por Temer até Bolsonaro, buscando um tratamento de choque para a estagnação econômica. Nenhuma reanimação da economia ocorreu após esses choques, mas a piora das condições de vida e de trabalho da maioria dos brasileiros foi acentuada pelas políticas de austeridade e flexibilização da legislação trabalhista.

Os dados de insegurança alimentar grave entre informais (15,7%),  produtores rurais (14,3%) e desempregados (22,1%) nos dão fortes indícios de como a atual política econômica afeta o conjunto dos trabalhadores. Sem nenhuma proteção trabalhista e isolados da luta sindical, os salários caem abaixo do necessário para a simples reprodução da vida e a fome vira regra. Essa redução salarial força todos os salários para baixo, e assim observamos o aumento da fome mesmo entre os trabalhadores da cidade com carteira de trabalho formal.

Por um auxílio emergencial municipal em Belo Horizonte!

Belo Horizonte, sexta maior capital do Brasil, lar de quase 3 milhões de pessoas, não aprovou nenhuma política eficaz de combate à fome e à carestia – Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo, já possuem auxílios emergenciais municipais sendo distribuídos.

É urgente a criação de um auxílio emergencial municipal para toda região metropolitana. O fechamento de muitos postos de trabalho informais pela pandemia afeta grande parte dos trabalhadores da capital. A Prefeitura de Belo Horizonte tem obrigação de dispor seus recursos para uma auxílio emergencial em todo 2021, visando minimizar o efeito destruidor da crise atual sobre as famílias.

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Fortuna dos bilionários brasileiros cresce 34 bilhões de doláres desde março https://www.poderpopularmg.org/fortuna-dos-bilionarios-brasileiros/ https://www.poderpopularmg.org/fortuna-dos-bilionarios-brasileiros/#respond Thu, 13 Aug 2020 19:16:50 +0000 https://www.poderpopularmg.org/?p=74769 LEONARDO GODIM

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Valor equivale ao total dos gastos do governo federal com o auxílio emergencial até julho

Leonardo Godim para O Poder Popular.

A fortuna de 42 bilionários brasileiros aumentou US$34 bilhões entre 18 de março e 12 de julho deste ano. De US$123 bilhões, a soma das fortunas passou para US$157 bi desde o início do isolamento social no país. Estes são os números coletados pela revista Forbes e divulgados pela Oxfam Internacional em seu relatório “Quem paga a conta”, lançado este mês. 

O relatório também afirma que oito novos bilionários surgiram na América Latina, um a cada duas semanas desde o início do isolamento.

O crescimento da fortuna dos bilionários acompanha o que alguns economistas entendem como a maior crise da história do país. Segundo o IBGE, 10,3 milhões de brasileiros estão afastados do trabalho por conta do COVID-19, e 29,5 milhões de pessoas ocupadas tiveram redução nos seus rendimentos.

Os graves efeitos da crise na vida dos trabalhadores brasileiros saltam aos olhos. O auxílio emergencial de R$600 aprovado pelo Congresso Nacional hoje é distribuído para cerca de 53,9 milhões de brasileiros. Diversos estudos, como o relatório do Ibre FGV, atribuem para o auxílio emergencial o efeito de contenção dos piores efeitos da crise. 

No segundo semestre, os números relativos ao produto interno bruto surpreenderam as previsões mais pessimistas, mas ainda indicam uma queda muito grande no setor de serviços e na taxa de emprego, indicando que o fim do auxílio será um momento crítico para a economia brasileira.

É neste contexto que vem a tona o debate da reforma tributária. Qualquer trabalhador que vive a atual crise e que observa os dados acima enunciados se questionará sobre o quanto da crise tem pesado sobre seus ombros, e o quanto (não) tem pesado sobre os poucos bilionários brasileiros. Mas não é essa a preocupação dos atuais redatores do projeto de reforma tributária. Liderada por Paulo Guedes e pelo deputado federal Aguinaldo Ribeiro, o projeto se limita à unificação do imposto sobre consumo e a reinauguração de uma CPMF, antiga tributação brasileira sobre transações financeiras.

Em poucas palavras, a reforma tributária proposta pelo governo e pelo Congresso Nacional se volta exclusivamente para os impostos sobre consumo e transações, que tem grande efeito sobre a classe trabalhadora. Enquanto isso, os 42 bilionários brasileiros, que aumentaram suas fortunas de US$123 bilhões para US$157 bilhões, não pagam nenhum tributo sobre suas gigantescas fortunas.

É difícil compreender a dimensão de um bilhão de dólares. Entendamos assim: em 4 meses, este punhado de homens enriqueceu o equivalente a mais do que todos os gastos do governo federal com o auxílio emergencial até agora. Até 14 de junho, o governo federal havia gasto R$95,52 bilhões na distribuição do auxílio emergencial. A previsão de gastos totais para três parcelas é de R$152,6 bilhões. Em taxa de câmbio de hoje (30/07), o valor acumulado por estes bilionários em suas fortunas é de R$175 bilhões. 

Esta realidade, como indica o relatório da Oxfam Internacional, é comum à América Latina e expõe as graves desigualdades de nosso subcontinente. O Brasil concentra, neste contexto regional, a maior parte dos bilionários que lucram enormemente com a crise e está, ao mesmo tempo, entre os mais carentes de políticas fiscais que taxem as grandes fortunas para financiamento de políticas de saúde, emprego e educação.

Enquanto esta realidade persistir, os argumentos sobre a crise fiscal continuarão a ser a mais pura demagogia. Demagogia essa que une bolsonaristas e Rede Globo num objetivo comum: escamotear a existência destes bilionários e suas fortunas intocáveis e defender um ajuste fiscal – cuja maior expressão é o teto de gastos – que desmantelam as poucas políticas sociais, como saúde e educação, que o Brasil possui.

Foto de capa: Romerito Pontes

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Notas sobre saúde mental no capitalismo em tempos de COVID-19 https://www.poderpopularmg.org/saude-mental-no-capitalismo-em-tempos-de-covid-19/ https://www.poderpopularmg.org/saude-mental-no-capitalismo-em-tempos-de-covid-19/#respond Tue, 23 Jun 2020 13:37:09 +0000 https://www.poderpopularmg.org/?p=74688 LUIZA MIRANDA

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Luiza Miranda*

Diante da condição pandêmica atual propiciada pelo novo coronavírus, que se espraia celeremente pelo mundo, não tem sido incomum ouvirmos, principalmente por parte de alguns monopólios da mídia, que o vírus é democrático, podendo infectar a todos e todas. Bom, a partir de uma ótica biologicista, essa poderia ser uma afirmação verdadeira, mas tomando como ponto de partida e como critério da verdade a realidade em sua concretude, a pandemia da COVID-19, pedagógica e didaticamente, evidencia que nossa saúde é um produto histórico-social, não podendo ser vista de forma apartada e alheia ao contexto em que, dialeticamente, produzimos ao passo em que também somos por ele conformados. Embora seja hegemonicamente compreendida como tal, a saúde não é um atributo individual, intrapsíquico, ensimesmado, autogovernável e circunscrito no âmbito do terreno das individualidades. Enquanto seres sociais, nossa saúde e subjetividade são indissociáveis da maneira pela qual (re)produzimos nossa existência material e nossa relação com os outros, com a natureza e com as coisas. 

Não se trata de uma relação estática, mecânica e de um simples reflexo da materialidade, mas de uma relação dialética entre objetividade-subjetividade. Assim, mesmo aquilo que tem uma base biológica, anatômica ou fisiológica, com o salto ontológico a partir do intercâmbio entre homem e natureza, se torna um pressuposto, mas não a essência, de tal forma que, a exemplo, não é incorreto afirmar que, até mesmo nossos sentidos, são também sociais. A forma como o gênero humano vive transforma inclusive as bases de sua própria anatomia. Trata-se, segundo Marx, do afastamento das barreiras biológicas, que se coloca de forma cada vez mais acentuada sem significar, de forma alguma, a supressão da própria biologia[1]. Nesse sentido, um vírus, uma coisa acelular nanomilimétrica, mais simples que uma célula e desprovido de conhecimentos de economia política[2], não seleciona qual organismo atingir, ao contrário, é a forma como nos constituímos social e historicamente que determina que uns serão mais infectados, padecerão e morrerão mais do que outros. 

Nesse sentido, negamos a possibilidade de um hiato entre indivíduo e sociedade, subjetividade e objetividade. Não há sujeito sem objeto e objeto sem sujeito. É peremptório contestar as afirmações que giram em torno de uma natureza humana a-histórica, perene e estática como constituinte, bem como as de trato dos fenômenos como formas interiorizadas e descoladas da realidade na qual estes se produzem e são reproduzidos. Trata-se do rompimento com a hegemônica concepção liberal de homem e sociedade que perfaz o campo psi, o mesmo que localiza a essência do indivíduo dentro dele mesmo como no caso do Barão de Münchhausen – aquele que, afundando no pântano, salva a si mesmo puxando-se pelos próprios cabelos -, uma metáfora para a ideia de homem autodeterminado, movido unicamente por forças interiores e descolado das condições sociais, produzido num vácuo sócio-histórico.

Ao falarmos de saúde mental, fazemos um uso crítico do termo, uma vez que não existe uma saúde apenas mental, descolada das determinações estruturantes de nossa sociabilidade e de forma cartesiana, cindindo e clivando mente e corpo. Portanto, não existe uma saúde mental “per si”. Segundo o psicólogo Martín-Baró, crítico às concepções assépticas de ciência e teórico da chamada Psicologia da Libertação, cujas contribuições são essenciais para uma Psicologia dos e para “os condenados da terra” – alusão ao título da última e primorosa obra de Franz Fanon que se baseia no primeiro verso da Internacional (1871) de Eugène Pottier -, a saúde mental pode ser descrita como: 

“(…) muito mais uma dimensão das relações entre as pessoas e grupos do que um estado individual, ainda que esta dimensão se enraíze de maneira diferente no organismo de cada um dos indivíduos envolvidos nas relações”[3]. 

Portanto, pensar saúde mental pressupõe compreender como o caráter humanizador ou alienante de nossa sociabilidade se materializa nos sujeitos e grupos sociais. Pensar saúde mental é questionar a sociabilidade em que vivemos e em que, ao mesmo tempo, aparta e priva-nos de nossa própria existência e desenvolvimento, com nossas vidas sendo facilmente ceifadas de distintas formas; aquela em que, para a classe trabalhadora, não raro, “não lhe permitiram a vida/e lhe negaram sepultura” como dizem os versos de Pablo Neruda [4]. A saúde mental está, portanto, no interregno da dialética indivíduo-sociedade e, ao compreendê-la dessa forma, as saídas e resoluções deixam de estar circunscritas à esfera individual e às pretensões de “cura”, “tratamento” que não conseguem ultrapassar a noção de sujeito enquanto uma mônada solipsista. Ao revés, conceber qualquer tipo de saída única e exclusivamente no âmbito das individualidades é uma contradição em termos, pois:

“Neste mundo distorcido, o indivíduo desesperado procura uma saída individual, no entanto, ele não a encontra. Ele não pode encontrá-la, pois questões sociais não podem ser resolvidas individualmente” [5].

O filósofo húngaro György Lukács, autor da frase acima, em sua ontologia do ser social qualifica como abstrações vazias o homem – aqui compreendido enquanto gênero humano – fora da sociedade, bem como a sociedade à parte do homem. Não existe subjetividade que não seja social em suas raízes e determinações mais profundas e “a mais simples análise do ser do homem, do trabalho e da práxis mostra isso de modo irrefutável” [6]. Tomando como exemplo o trabalho, uma autoatividade que no capitalismo torna-se algo hostil ao próprio trabalhador, nele tem-se origem uma das manifestações da alienação, fenômeno histórico-social onde os produtores se distanciam e não se reconhecem naquilo que produziram, de modo que esses produtos do trabalho se voltam contra eles próprios com uma potência hostil. As mercadorias passam a ter, e efetivamente exercem sobre os seus produtores, um poder autônomo, aquilo que Marx denominou como fetichismo da mercadoria. No interior do capital, o fetichismo alcança sua máxima gradação, com as relações sociais tomando a aparência de relações entre coisas, o “ter” subordinando o “ser”. 

Essa subordinação do “ser” ao “ter”, representa na vida dos homens uma força motriz determinante para o estranhamento, isto é, para o descompasso entre o desenvolvimento das capacidades humanas pelas forças produtivas versus a conservação e esfacelamento das subjetividades. Embora objetividade e subjetividade sejam dimensões indissociáveis, não quer dizer que entre elas não possam haver contradições e diferenças significativas que impõe questões e limitações para nossa própria constituição enquanto seres sociais. Ainda sobre o trabalho, que Marx compara ao um vampiro que só existe sugando trabalho vivo e vive tanto mais quanto mais trabalho vivo suga, o próprio tempo destinado à ele, ao trabalho, cada vez mais sujeito ao prolongamento das jornadas e à intensificação do mesmo, é também uma forma marcante de estranhamento: 

“Um homem que não tem tempo livre (…) é menos do que uma besta de carga. É uma mera máquina de produzir riqueza alheia, derreada no corpo e embrutecida no espírito. E, contudo, toda a história da indústria moderna mostra que o capital, se não for refreado, trabalhará sem descanso e sem compaixão para reduzir toda a classe operária ao estado extremo da degradação” [7].

Isso ocorre porque níveis de regressão da sociabilidade podem coexistir e coexistem com altos níveis de desenvolvimento do capitalismo e a barbarização da vida social pode ser aferida justamente pela medida em que as necessidades humanas são de tal modo degradadas que sua satisfação retrocede ao nível mais primário, natural e animal. Dessa forma, o adoecimento, as enfermidades, os comprometimentos que nos levam à caracterização como um “problema de saúde mental” não são e não podem ser analisados e quiçá enfrentados se os tomarmos como raios em céu azul. Ainda segundo Baró, a neurose de um indivíduo é, antes de tudo, a enfermidade da sociedade [8]. As subjetividades, as personalidades e a forma como estas surgem, desdobram e definham só podem ocorrer em um campo de ação histórico-social concreto e específico, no momento atual, no modo de produção capitalista atravessado por uma conjuntura de crise econômica, política e sanitária, ou resumidamente, por uma crise do capitalismo! 

A crise atual não é acidente de percurso, anomalia, excepcionalidade ou parte de um movimento independente do capital. Mesmo a pandemia que oriunda de um vírus, assume as determinações histórico-sociais do momento e, portanto, implica em efeitos nefastos no bojo do capital que a tudo fagocita em nome do lucro, mesmo que para isso tenha que cometer os crimes mais hediondos. Como se não bastasse a curva ascendente de infectados em nosso país, não só pela alta transmissibilidade do vírus, mas muito mais pelas condições que propiciaram a sua disseminação, cenário que poderia ter sido evitado e controlado com planejamento, medidas firmes de isolamento e garantia de condições materiais para tal, testagem em massa, revogação da EC 95 que congelou os gastos em saúde etc., alguns estudos e profissionais vêm alertando sobre a crescente dos casos de adoecimento no período da pandemia e para além dela, envolvendo altos índices de ansiedade e depressão[9], bem como aumento no consumo de álcool e outras drogas[10]. Para tanto, são veiculadas algumas “saídas”: manter uma rotina, hábitos saudáveis de alimentação e sono, estar em contato com amigos e familiares por meio do telefone e de videochamadas, não absorver informações em excesso, autocuidado etc. Embora sejam medidas importantes, é preciso salientar as profundas limitações do trato dessa questão a partir de uma ótica individualista de saúde mental, assim como questionar a quem estas medidas servem ou para quem estas podem se concretizar de fato. 

Para a maioria da população brasileira que luta cotidianamente para sobreviver, convivendo não só com o vírus de agora, mas com a infecção do capitalismo em nosso organismo social que produz o desemprego estrutural, a falta de garantias trabalhistas, postos precarizados e de esdrúxula remuneração e as experiências recentes de humilhação nas filas da fome em frente às agências da Caixa Econômica Federal para obter a quantia ineficiente e já prevista para encerramento do auxílio emergencial, dentre inúmeros outros exemplos, a rotina para se manter vivo(a) nunca deixou de existir e nunca foi tão rotineira como no período atual de pandemia e de aprofundamento da crise capitalista. Hábitos saudáveis de alimentação e sono para quem? Metade dos brasileiros sobrevivem com cerca de R$ 413 reais por mês segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua [11], milhões de pessoas estão passando fome ao passo em que toneladas de alimento são descartadas diariamente e, com o teletrabalho e a sobrecarga nos lares em razão da suspensão das aulas e creches, o horário laboral se amplia, se confunde com os momentos voltados para lazer e não raro adentra e ocupa o dia de forma quase que integral, incluindo o período noturno. 

As videochamadas, por sua vez, estão fora do alcance da realidade de muitos brasileiros, 1 em cada 4 não tem acesso[12], e para os demais há dificuldades de acesso à internet de qualidade, serviço este ofertado pelos monopólios de comunicação alvo das privatizações dos últimos anos que levou à destruição do parque industrial e tecnológico das telecomunicações, circunscrevendo-o em um modelo cada vez mais anti-nacional e sucateado. Cabe ressaltar, no entanto, que mesmo com um cenário de crise econômica e mesmo com a falta de acesso por muitos(as) às esses serviços e plataformas, as grandes empresas como a Zoom, plataforma para chamada de vídeos, obteve um lucro líquido de 27 milhões de dólares no primeiro trimestre de 2020, uma alta de 1.127% em relação ao ano passado [13] com um aumento de 22 bilhões no patrimônio de seu fundador [14]. 

Diminuir as informações em excesso sobre a pandemia pode se aplicar para alguns, mas não contempla a realidade daqueles(as) trabalhadores(as) que continuam trabalhando, número cada vez mais crescente em razão da verdadeira sabotagem do isolamento social por parte de várias prefeituras e governos estaduais em conluio com o projeto de genocídio da população brasileira expresso pelo executivo. Como reduzir o acesso à informação sobre a pandemia se ela, agora, assola os atendimentos nos serviços de saúde do país, bem como nos sujeita à uma exposição reiterada ao vírus e à possibilidade de infecção nos mais variados locais de trabalho de nossa classe? Como reduzir o acesso à informação sobre a pandemia pela classe trabalhadora quando quem de fato faz o combate ao novo coronavírus é ela própria sem o amparo de ações efetivas dos governos? Os dados podem ser escondidos, jogados para debaixo do tapete em sites e meios de comunicação, subnotificados e adulterados, mas quem vive e viver, sabe e saberá, lamentavelmente, que não é só uma “gripezinha”. 

Não ignorando as medidas supracitadas, o que se propõe é um exercício reflexivo sobre as limitações destas. A saída não pode ser o subjetivismo, caso contrário, não há saída. Evidentemente que, é necessário galgar uma nova subjetividade junto aos processos de consciência e conscientização no aqui e agora, uma transformação radical da sociedade implica isso, caso contrário, não se tem revolução. Somente com a emancipação humana é possível uma saída efetiva das individualidades. Por isso, é preciso aproveitar a explicitação das contradições do modo de produção capitalista que são suscitadas em períodos de crise tal como vivemos hoje. Embora as crises sejam parte intrínseca do funcionamento desta sociabilidade, possibilitando inclusive uma reanimação e um novo auge do sistema com custos severos aos trabalhadores e trabalhadoras é, também, um momento propício para ir na raiz, isto é, assumir a radicalização e tomar os fenômenos em sua essência e não em sua aparência, uma vez que só assim poderemos compreendê-los e, logo, transformá-los. Transformação esta que viabilize outras formas de nos fazermos enquanto sujeitos, outras subjetividades. Transformação esta que é uma questão, também, de saúde mental. 

“A questão é que talvez os indivíduos não precisem de tratamento, mas a sociedade. E o tratamento da sociedade se chama revolução” [15]. 

Ao invés de nos perguntarmos como curar, (re)inserir e (re)habilitar os sujeitos a essa ordem social desabilitante em sua gênese, devemos nos ocupar com a urgente tarefa de libertação dessa sociabilidade aprisionante, limítrofe, adoecedora e que solapa o humano. O individualismo, o egoísmo, o homem isolado nos leva à um impasse tragicômico e nada resolutivo. É preciso nos implicarmos com outros valores: os de solidariedade, cooperação, coletividade, camaradagem etc. E, para aqueles(as) que estão isolados(as) em suas casas e mesmo para os(as) demais que continuam trabalhando e atuando de maneira central nesse momento dramático, pode parecer que estamos sozinhos(as) e as dificuldades, certamente, se avolumando, entretanto, a união da classe trabalhadora ultrapassa os limites físicos enquanto nossa luta se trava cotidianamente pela disputa de corações e mentes na direção do futuro que a nós pertence. 

“E esse futuro não é cósmico, é o do meu século, do meu país, da minha existência (…) O futuro deve ser uma construção sustentável do homem existente. Esta edificação se liga ao presente, na medida em que coloco-o como algo a ser superado” [16]. 

*Militante do PCB e do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro

Referências:

[1] MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 1844/2010.

[2] https://blogdaboitempo.com.br/2020/04/17/pre-historia-pos-pandemia-e-o-que-vira/

[3] MARTÍN-BARÓ, I. Guerra e Saúde Mental. In: LACERDA JÚNIOR, Fernando. (Org.). Crítica e libertação na Psicologia: Estudos psicossociais. Petrópolis: Editora Vozes, p. 251-270, 2017. 

[4] NERUDA, P. Memorial de Isla Negra: as memórias de Neruda transformadas em poesia. Porto Alegre: L&PM, p. 43, 2019. 

[5] LUKÁCS, G. Por que a burguesia precisa do desespero? In: ALCÂNTARA, Norma & JIMENEZ, Susana. (Org.). Anuário Lukács 2019. São Paulo: Instituto Lukács, p. 238-247, 2019.

[6] LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social II. São Paulo: Boitempo, p. 588, 2013.

[7] MARX, K. Salário, preço e lucro. São Paulo: EDIPRO, p. 83, 2004. 

[8] MARTÍN-BARÓ, I. Antipsiquiatria y antipsicoanálisis. ECA,v. 29, n. 293/294, p.203-206, 1973. 

[9] https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/05/05/depressao-brasileiros-isolamento-social-coronavirus.htm?aff_source=56d95533a8284936a374e3a6da3d7996

[10] https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/05/abuso-de-alcool-e-drogas-tem-alta-na-pandemia.shtml?aff_source=56d95533a8284936a374e3a6da3d7996

[11] https://brasil.elpais.com/brasil/2019/10/30/economia/1572454880_959970.html

[12] https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-04/um-em-cada-quatro-brasileiros-nao-tem-acesso-internet

[13] https://www.infomoney.com.br/mercados/lucro-do-zoom-dispara-mais-de-1-000-no-1o-tri-e-vai-a-us-27-milhoes-com-aumento-de-usuario-em-meio-a-pandemia/

[14] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/05/criador-do-zoom-fica-us-4-bi-mais-rico-durante-a-pandemia.shtml?aff_source=56d95533a8284936a374e3a6da3d7996

[15] MARTÍN-BARÓ, I. Antipsiquiatria y antipsicoanálisis. ECA,v. 29, n. 293/294, p.203-206, 1973. 

[16] FANON, F. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, p. 29, 2008. 

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O QUE NOS CONFIRMA A MORTE DE GEORGE FLOYD: por que o preconceito, discriminação pela cor da pele é estrutural no capitalismo? https://www.poderpopularmg.org/o-que-nos-confirma-a-morte-de-george-floyd/ https://www.poderpopularmg.org/o-que-nos-confirma-a-morte-de-george-floyd/#comments Tue, 09 Jun 2020 18:36:59 +0000 https://www.poderpopularmg.org/?p=74659 HORMINDO PEREIRA DE SOUZA JUNIOR

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Por Hormindo Pereira de Souza Junior*

Qual é a origem dos preconceitos, das discriminacões, da xenofobia? São expressões da opressão. As opressões são produzidas pela necessidade da exploração de uns sobre outros. Como entāo se ver livre dos preconceitos, das disctiminaçőes, da xenofobia? Se livrando das opressões. Como se livrar das opressões? Livrando-se da necessidade da exploraçāo de uns sobre outros.

A exploração de uns sobre outros é a base material de relações sociais construídas historicamente pela necessidade da acumulaçāo privada da riqueza. A riqueza é o resultado da produçāo social. Tem se tornado cada vez mais necessário a incorporaçāo de grandes contingentes de pessoas na produçāo da riqueza. As relações sociais que historicamente construímos tem permitido que cada vez mais possamos acumular privadamente grandes quantidades da riqueza socialmente produzidas. A base material dessa relaçāo ou seja, a materialidade dessa relaçāo social é a exploraçāo de uns sobre os outros.

As opressões são mecanismos que possibilitam a exploração de uns sobre os outros. Por isso as opressões, em suas diferentes formas, são sempre violentas. Não há como oprimir um ao outro senão de forma violenta. Toda forma de opressão tem de ser violenta. Tem de violentar o outro para que possa ser explorado.

Os preconceitos, as discriminações, a xenofobia são estruturais. São estruturais porque são o produto de relações sociais historicamente construídas sob a base material da necessidade da exploraçāo de uns sobre outros. A exploraçāo de uns sobre outros é necessária à acumulaçāo privada da riqueza socialmente produzida.

O capital é essa relação social que historicamente tem possibilitado a produçào cada vez mais social da riqueza e sua consequente cada vez mais apropriação privada. O capitalismo é a formaçāo social que mais propiciou e tem se mostrado a que mais propicia o desenvolvimento ótimo dessa relação social. É no capitalismo que o capital encontra seu leito mais próprio, é onde “nada” dando braçadas. O capitalismo é a formação social que historicamente mais desenvolveu as diversas formas de opressāo fundamentais à exploraçāo de uns sobre outros. Por isso os preconceitos, as discriminações, a xenofobia são cada vez mais sutis e cada vez mais violentas. A apropriação privada da riqueza socialmente produzida é a base material da violência. Não há como apropriar privadamente a riqueza senão de forma violenta.

Eis porque os preconceitos, as discriminações, a xenofobia sāo estruturais. Sob a dominaçāo do capital essas formas de garantia da opressāo são e continuarão a ser estruturais. Fazem parte da natureza dessa relaçăo social, são conditio sine qua non à sua existência.

Como nos ver livre delas? Nos vendo livres do capital. Por último. O fim dos preconceitos, das discriminações, da xenofobia está diretamente relacionada com o fim da propriedade privada.

GEORGE FLOYD não morreu, continua vivo!

Belo Horizonte, 09 de junho, 2020

* Professor do Departamento de Administração Escolar da Faculdade de Educação da UFMG. Pesquisador no Grupo de Pesquisas sobre Marx, Trabalho e Educação – GEPMTE

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