{"id":74688,"date":"2020-06-23T13:37:09","date_gmt":"2020-06-23T13:37:09","guid":{"rendered":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/?p=74688"},"modified":"2020-06-23T13:56:30","modified_gmt":"2020-06-23T13:56:30","slug":"saude-mental-no-capitalismo-em-tempos-de-covid-19","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/saude-mental-no-capitalismo-em-tempos-de-covid-19\/","title":{"rendered":"Notas sobre sa\u00fade mental no capitalismo em tempos de COVID-19"},"content":{"rendered":"

Luiza Miranda*<\/b><\/p>\n

Diante da condi\u00e7\u00e3o pand\u00eamica atual propiciada pelo novo coronav\u00edrus, que se espraia celeremente pelo mundo, n\u00e3o tem sido incomum ouvirmos, principalmente por parte de alguns monop\u00f3lios da m\u00eddia, que o v\u00edrus \u00e9 democr\u00e1tico, podendo infectar a todos e todas. Bom, a partir de uma \u00f3tica biologicista, essa poderia ser uma afirma\u00e7\u00e3o verdadeira, mas tomando como ponto de partida e como crit\u00e9rio da verdade a realidade em sua concretude, a pandemia da COVID-19, pedag\u00f3gica e didaticamente, evidencia que nossa sa\u00fade \u00e9 um produto hist\u00f3rico-social, n\u00e3o podendo ser vista de forma apartada e alheia ao contexto em que, dialeticamente, produzimos ao passo em que tamb\u00e9m somos por ele conformados. Embora seja hegemonicamente compreendida como tal, a sa\u00fade n\u00e3o \u00e9 um atributo individual, intraps\u00edquico, ensimesmado, autogovern\u00e1vel e circunscrito no \u00e2mbito do terreno das individualidades. Enquanto seres sociais, nossa sa\u00fade e subjetividade s\u00e3o indissoci\u00e1veis da maneira pela qual (re)produzimos nossa exist\u00eancia material e nossa rela\u00e7\u00e3o com os outros, com a natureza e com as coisas.\u00a0<\/span><\/p>\n

N\u00e3o se trata de uma rela\u00e7\u00e3o est\u00e1tica, mec\u00e2nica e de um simples reflexo da materialidade, mas de uma rela\u00e7\u00e3o dial\u00e9tica entre objetividade-subjetividade. Assim, mesmo aquilo que tem uma base biol\u00f3gica, anat\u00f4mica ou fisiol\u00f3gica, com o salto ontol\u00f3gico a partir do interc\u00e2mbio entre homem e natureza, se torna um pressuposto, mas n\u00e3o a ess\u00eancia, de tal forma que, a exemplo, n\u00e3o \u00e9 incorreto afirmar que, at\u00e9 mesmo nossos sentidos, s\u00e3o tamb\u00e9m sociais. A forma como o g\u00eanero humano vive transforma inclusive as bases de sua pr\u00f3pria anatomia. Trata-se, segundo Marx, do afastamento das barreiras biol\u00f3gicas, que se coloca de forma cada vez mais acentuada sem significar, de forma alguma, a supress\u00e3o da pr\u00f3pria biologia[1]. Nesse sentido, um v\u00edrus, uma coisa acelular nanomilim\u00e9trica, mais simples que uma c\u00e9lula e desprovido de conhecimentos de economia pol\u00edtica[2], n\u00e3o seleciona qual organismo atingir, ao contr\u00e1rio, \u00e9 a forma como nos constitu\u00edmos social e historicamente que determina que uns ser\u00e3o mais infectados, padecer\u00e3o e morrer\u00e3o mais do que outros.\u00a0<\/span><\/p>\n

Nesse sentido, negamos a possibilidade de um hiato entre indiv\u00edduo e sociedade, subjetividade e objetividade. N\u00e3o h\u00e1 sujeito sem objeto e objeto sem sujeito. \u00c9 perempt\u00f3rio contestar as afirma\u00e7\u00f5es que giram em torno de uma natureza humana a-hist\u00f3rica, perene e est\u00e1tica como constituinte, bem como as de trato dos fen\u00f4menos como formas interiorizadas e descoladas da realidade na qual estes se produzem e s\u00e3o reproduzidos. Trata-se do rompimento com a hegem\u00f4nica concep\u00e7\u00e3o liberal de homem e sociedade que perfaz o campo psi<\/i>, o mesmo que localiza a ess\u00eancia do indiv\u00edduo dentro dele mesmo como no caso do Bar\u00e3o de M\u00fcnchhausen – aquele que, afundando no p\u00e2ntano, salva a si mesmo puxando-se pelos pr\u00f3prios cabelos -, uma met\u00e1fora para a ideia de homem autodeterminado, movido unicamente por for\u00e7as interiores e descolado das condi\u00e7\u00f5es sociais, produzido num v\u00e1cuo s\u00f3cio-hist\u00f3rico.<\/p>\n

Ao falarmos de sa\u00fade mental, fazemos um uso cr\u00edtico do termo, uma vez que n\u00e3o existe uma sa\u00fade apenas mental, descolada das determina\u00e7\u00f5es estruturantes de nossa sociabilidade e de forma cartesiana, cindindo e clivando mente e corpo. Portanto, n\u00e3o existe uma sa\u00fade mental \u201cper si\u201d<\/i>. Segundo o psic\u00f3logo Mart\u00edn-Bar\u00f3, cr\u00edtico \u00e0s concep\u00e7\u00f5es ass\u00e9pticas de ci\u00eancia e te\u00f3rico da chamada Psicologia da Liberta\u00e7\u00e3o, cujas contribui\u00e7\u00f5es s\u00e3o essenciais para uma Psicologia dos e para \u201cos condenados da terra\u201d – alus\u00e3o ao t\u00edtulo da \u00faltima e primorosa obra de Franz Fanon que se baseia no primeiro verso da Internacional (1871) de Eug\u00e8ne Pottier -, a sa\u00fade mental pode ser descrita como:\u00a0<\/span><\/p>\n

\u201c(…) muito mais uma dimens\u00e3o das rela\u00e7\u00f5es entre as pessoas e grupos do que um estado individual, ainda que esta dimens\u00e3o se enra\u00edze de maneira diferente no organismo de cada um dos indiv\u00edduos envolvidos nas rela\u00e7\u00f5es\u201d[3].\u00a0<\/span><\/p>\n

Portanto, pensar sa\u00fade mental pressup\u00f5e compreender como o car\u00e1ter humanizador ou alienante de nossa sociabilidade se materializa nos sujeitos e grupos sociais. Pensar sa\u00fade mental \u00e9 questionar a sociabilidade em que vivemos e em que, ao mesmo tempo, aparta e priva-nos de nossa pr\u00f3pria exist\u00eancia e desenvolvimento, com nossas vidas sendo facilmente ceifadas de distintas formas; aquela em que, para a classe trabalhadora, n\u00e3o raro, \u201cn\u00e3o lhe permitiram a vida\/e lhe negaram sepultura\u201d como dizem os versos de Pablo Neruda [4]. A sa\u00fade mental est\u00e1, portanto, no interregno da dial\u00e9tica indiv\u00edduo-sociedade e, ao compreend\u00ea-la dessa forma, as sa\u00eddas e resolu\u00e7\u00f5es deixam de estar circunscritas \u00e0 esfera individual e \u00e0s pretens\u00f5es de \u201ccura\u201d, \u201ctratamento\u201d que n\u00e3o conseguem ultrapassar a no\u00e7\u00e3o de sujeito enquanto uma m\u00f4nada solipsista. Ao rev\u00e9s, conceber qualquer tipo de sa\u00edda \u00fanica e exclusivamente no \u00e2mbito das individualidades \u00e9 uma contradi\u00e7\u00e3o em termos, pois:<\/p>\n

\u201cNeste mundo distorcido, o indiv\u00edduo desesperado procura uma sa\u00edda individual, no entanto, ele n\u00e3o a encontra. Ele n\u00e3o pode encontr\u00e1-la, pois quest\u00f5es sociais n\u00e3o podem ser resolvidas individualmente\u201d [5].<\/p>\n

O fil\u00f3sofo h\u00fangaro Gy\u00f6rgy Luk\u00e1cs, autor da frase acima, em sua ontologia do ser social qualifica como abstra\u00e7\u00f5es vazias o homem – aqui compreendido enquanto g\u00eanero humano – fora da sociedade, bem como a sociedade \u00e0 parte do homem. N\u00e3o existe subjetividade que n\u00e3o seja social em suas ra\u00edzes e determina\u00e7\u00f5es mais profundas e \u201ca mais simples an\u00e1lise do ser do homem, do trabalho e da pr\u00e1xis mostra isso de modo irrefut\u00e1vel\u201d [6]. Tomando como exemplo o trabalho, uma autoatividade que no capitalismo torna-se algo hostil ao pr\u00f3prio trabalhador, nele tem-se origem uma das manifesta\u00e7\u00f5es da aliena\u00e7\u00e3o, fen\u00f4meno hist\u00f3rico-social onde os produtores se distanciam e n\u00e3o se reconhecem naquilo que produziram, de modo que esses produtos do trabalho se voltam contra eles pr\u00f3prios com uma pot\u00eancia hostil. As mercadorias passam a ter, e efetivamente exercem sobre os seus produtores, um poder aut\u00f4nomo, aquilo que Marx denominou como fetichismo da mercadoria. No interior do capital, o fetichismo alcan\u00e7a sua m\u00e1xima grada\u00e7\u00e3o, com as rela\u00e7\u00f5es sociais tomando a apar\u00eancia de rela\u00e7\u00f5es entre coisas, o \u201cter\u201d subordinando o \u201cser\u201d.\u00a0<\/span><\/p>\n

Essa subordina\u00e7\u00e3o do \u201cser\u201d ao \u201cter\u201d, representa na vida dos homens uma for\u00e7a motriz determinante para o estranhamento, isto \u00e9, para o descompasso entre o desenvolvimento das capacidades humanas pelas for\u00e7as produtivas versus<\/i> a conserva\u00e7\u00e3o e esfacelamento das subjetividades. Embora objetividade e subjetividade sejam dimens\u00f5es indissoci\u00e1veis, n\u00e3o quer dizer que entre elas n\u00e3o possam haver contradi\u00e7\u00f5es e diferen\u00e7as significativas que imp\u00f5e quest\u00f5es e limita\u00e7\u00f5es para nossa pr\u00f3pria constitui\u00e7\u00e3o enquanto seres sociais. Ainda sobre o trabalho, que Marx compara ao um vampiro que s\u00f3 existe sugando trabalho vivo e vive tanto mais quanto mais trabalho vivo suga, o pr\u00f3prio tempo destinado \u00e0 ele, ao trabalho, cada vez mais sujeito ao prolongamento das jornadas e \u00e0 intensifica\u00e7\u00e3o do mesmo, \u00e9 tamb\u00e9m uma forma marcante de estranhamento:\u00a0<\/span><\/p>\n

\u201cUm homem que n\u00e3o tem tempo livre (…) \u00e9 menos do que uma besta de carga. \u00c9 uma mera m\u00e1quina de produzir riqueza alheia, derreada no corpo e embrutecida no esp\u00edrito. E, contudo, toda a hist\u00f3ria da ind\u00fastria moderna mostra que o capital, se n\u00e3o for refreado, trabalhar\u00e1 sem descanso e sem compaix\u00e3o para reduzir toda a classe oper\u00e1ria ao estado extremo da degrada\u00e7\u00e3o\u201d [7].<\/p>\n

Isso ocorre porque n\u00edveis de regress\u00e3o da sociabilidade podem coexistir e coexistem com altos n\u00edveis de desenvolvimento do capitalismo e a barbariza\u00e7\u00e3o da vida social pode ser aferida justamente pela medida em que as necessidades humanas s\u00e3o de tal modo degradadas que sua satisfa\u00e7\u00e3o retrocede ao n\u00edvel mais prim\u00e1rio, natural e animal. Dessa forma, o adoecimento, as enfermidades, os comprometimentos que nos levam \u00e0 caracteriza\u00e7\u00e3o como um \u201cproblema de sa\u00fade mental\u201d n\u00e3o s\u00e3o e n\u00e3o podem ser analisados e qui\u00e7\u00e1 enfrentados se os tomarmos como raios em c\u00e9u azul. Ainda segundo Bar\u00f3, a neurose de um indiv\u00edduo \u00e9, antes de tudo, a enfermidade da sociedade [8]. As subjetividades, as personalidades e a forma como estas surgem, desdobram e definham s\u00f3 podem ocorrer em um campo de a\u00e7\u00e3o hist\u00f3rico-social concreto e espec\u00edfico, no momento atual, no modo de produ\u00e7\u00e3o capitalista atravessado por uma conjuntura de crise econ\u00f4mica, pol\u00edtica e sanit\u00e1ria, ou resumidamente, por uma crise do capitalismo!\u00a0<\/span><\/p>\n

A crise atual n\u00e3o \u00e9 acidente de percurso, anomalia, excepcionalidade ou parte de um movimento independente do capital. Mesmo a pandemia que oriunda de um v\u00edrus, assume as determina\u00e7\u00f5es hist\u00f3rico-sociais do momento e, portanto, implica em efeitos nefastos no bojo do capital que a tudo fagocita em nome do lucro, mesmo que para isso tenha que cometer os crimes mais hediondos. Como se n\u00e3o bastasse a curva ascendente de infectados em nosso pa\u00eds, n\u00e3o s\u00f3 pela alta transmissibilidade do v\u00edrus, mas muito mais pelas condi\u00e7\u00f5es que propiciaram a sua dissemina\u00e7\u00e3o, cen\u00e1rio que poderia ter sido evitado e controlado com planejamento, medidas firmes de isolamento e garantia de condi\u00e7\u00f5es materiais para tal, testagem em massa, revoga\u00e7\u00e3o da EC 95 que congelou os gastos em sa\u00fade etc., alguns estudos e profissionais v\u00eam alertando sobre a crescente dos casos de adoecimento no per\u00edodo da pandemia e para al\u00e9m dela, envolvendo altos \u00edndices de ansiedade e depress\u00e3o[9], bem como aumento no consumo de \u00e1lcool e outras drogas[10]. Para tanto, s\u00e3o veiculadas algumas \u201csa\u00eddas\u201d: manter uma rotina, h\u00e1bitos saud\u00e1veis de alimenta\u00e7\u00e3o e sono, estar em contato com amigos e familiares por meio do telefone e de videochamadas, n\u00e3o absorver informa\u00e7\u00f5es em excesso, autocuidado etc. Embora sejam medidas importantes, \u00e9 preciso salientar as profundas limita\u00e7\u00f5es do trato dessa quest\u00e3o a partir de uma \u00f3tica individualista de sa\u00fade mental, assim como questionar a quem estas medidas servem ou para quem estas podem se concretizar de fato.\u00a0<\/span><\/p>\n

Para a maioria da popula\u00e7\u00e3o brasileira que luta cotidianamente para sobreviver, convivendo n\u00e3o s\u00f3 com o v\u00edrus de agora, mas com a infec\u00e7\u00e3o do capitalismo em nosso organismo social que produz o desemprego estrutural, a falta de garantias trabalhistas, postos precarizados e de esdr\u00faxula remunera\u00e7\u00e3o e as experi\u00eancias recentes de humilha\u00e7\u00e3o nas filas da fome em frente \u00e0s ag\u00eancias da Caixa Econ\u00f4mica Federal para obter a quantia ineficiente e j\u00e1 prevista para encerramento do aux\u00edlio emergencial, dentre in\u00fameros outros exemplos, a rotina para se manter vivo(a) nunca deixou de existir e nunca foi t\u00e3o rotineira como no per\u00edodo atual de pandemia e de aprofundamento da crise capitalista. H\u00e1bitos saud\u00e1veis de alimenta\u00e7\u00e3o e sono para quem? Metade dos brasileiros sobrevivem com cerca de R$ 413 reais por m\u00eas segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domic\u00edlios Cont\u00ednua [11], milh\u00f5es de pessoas est\u00e3o passando fome ao passo em que toneladas de alimento s\u00e3o descartadas diariamente e, com o teletrabalho e a sobrecarga nos lares em raz\u00e3o da suspens\u00e3o das aulas e creches, o hor\u00e1rio laboral se amplia, se confunde com os momentos voltados para lazer e n\u00e3o raro adentra e ocupa o dia de forma quase que integral, incluindo o per\u00edodo noturno.\u00a0<\/span><\/p>\n

As videochamadas, por sua vez, est\u00e3o fora do alcance da realidade de muitos\u00a0<\/span>brasileiros, 1 em cada 4 n\u00e3o tem acesso[12], e para os demais h\u00e1 dificuldades de acesso \u00e0 internet de qualidade, servi\u00e7o este ofertado pelos monop\u00f3lios de comunica\u00e7\u00e3o alvo das privatiza\u00e7\u00f5es dos \u00faltimos anos que levou \u00e0 destrui\u00e7\u00e3o do parque industrial e tecnol\u00f3gico das telecomunica\u00e7\u00f5es, circunscrevendo-o em um modelo cada vez mais anti-nacional e sucateado. Cabe ressaltar, no entanto, que mesmo com um cen\u00e1rio de crise econ\u00f4mica e mesmo com a falta de acesso por muitos(as) \u00e0s esses servi\u00e7os e plataformas, as grandes empresas como a Zoom, plataforma para chamada de v\u00eddeos, obteve um lucro l\u00edquido de 27 milh\u00f5es de d\u00f3lares no primeiro trimestre de 2020, uma alta de 1.127% em rela\u00e7\u00e3o ao ano passado [13] com um aumento de 22 bilh\u00f5es no patrim\u00f4nio de seu fundador [14].\u00a0<\/span><\/p>\n

Diminuir as informa\u00e7\u00f5es em excesso sobre a pandemia pode se aplicar para alguns, mas n\u00e3o contempla a realidade daqueles(as) trabalhadores(as) que continuam trabalhando, n\u00famero cada vez mais crescente em raz\u00e3o da verdadeira sabotagem do isolamento social por parte de v\u00e1rias prefeituras e governos estaduais em conluio com o projeto de genoc\u00eddio da popula\u00e7\u00e3o brasileira expresso pelo executivo. Como reduzir o acesso \u00e0 informa\u00e7\u00e3o sobre a pandemia se ela, agora, assola os atendimentos nos servi\u00e7os de sa\u00fade do pa\u00eds, bem como nos sujeita \u00e0 uma exposi\u00e7\u00e3o reiterada ao v\u00edrus e \u00e0 possibilidade de infec\u00e7\u00e3o nos mais variados locais de trabalho de nossa classe? Como reduzir o acesso \u00e0 informa\u00e7\u00e3o sobre a pandemia pela classe trabalhadora quando quem de fato faz o combate ao novo coronav\u00edrus \u00e9 ela pr\u00f3pria sem o amparo de a\u00e7\u00f5es efetivas dos governos? Os dados podem ser escondidos, jogados para debaixo do tapete em sites e meios de comunica\u00e7\u00e3o, subnotificados e adulterados, mas quem vive e viver, sabe e saber\u00e1, lamentavelmente, que n\u00e3o \u00e9 s\u00f3 uma \u201cgripezinha\u201d.\u00a0<\/span><\/p>\n

N\u00e3o ignorando as medidas supracitadas, o que se prop\u00f5e \u00e9 um exerc\u00edcio reflexivo sobre as limita\u00e7\u00f5es destas. A sa\u00edda n\u00e3o pode ser o subjetivismo, caso contr\u00e1rio, n\u00e3o h\u00e1 sa\u00edda. Evidentemente que, \u00e9 necess\u00e1rio galgar uma nova subjetividade junto aos processos de consci\u00eancia e conscientiza\u00e7\u00e3o no aqui e agora, uma transforma\u00e7\u00e3o radical da sociedade implica isso, caso contr\u00e1rio, n\u00e3o se tem revolu\u00e7\u00e3o. Somente com a emancipa\u00e7\u00e3o humana \u00e9 poss\u00edvel uma sa\u00edda efetiva das individualidades. Por isso, \u00e9 preciso aproveitar a explicita\u00e7\u00e3o das contradi\u00e7\u00f5es do modo de produ\u00e7\u00e3o capitalista que s\u00e3o suscitadas em per\u00edodos de crise tal como vivemos hoje. Embora as crises sejam parte intr\u00ednseca do funcionamento desta sociabilidade, possibilitando inclusive uma reanima\u00e7\u00e3o e um novo auge do sistema com custos severos aos trabalhadores e trabalhadoras \u00e9, tamb\u00e9m, um momento prop\u00edcio para ir na raiz, isto \u00e9, assumir a radicaliza\u00e7\u00e3o e tomar os fen\u00f4menos em sua ess\u00eancia e n\u00e3o em sua apar\u00eancia, uma vez que s\u00f3 assim poderemos compreend\u00ea-los e, logo, transform\u00e1-los. Transforma\u00e7\u00e3o esta que viabilize outras formas de nos fazermos enquanto sujeitos, outras subjetividades. Transforma\u00e7\u00e3o esta que \u00e9 uma quest\u00e3o, tamb\u00e9m, de sa\u00fade mental.\u00a0<\/span><\/p>\n

\u201cA quest\u00e3o \u00e9 que talvez os indiv\u00edduos n\u00e3o precisem de tratamento, mas a sociedade. E o tratamento da sociedade se chama revolu\u00e7\u00e3o\u201d [15].\u00a0<\/span><\/p>\n

Ao inv\u00e9s de nos perguntarmos como curar, (re)inserir e (re)habilitar os sujeitos a essa ordem social desabilitante em sua g\u00eanese, devemos nos ocupar com a urgente tarefa de liberta\u00e7\u00e3o dessa sociabilidade aprisionante, lim\u00edtrofe, adoecedora e que solapa o humano. O individualismo, o ego\u00edsmo, o homem isolado nos leva \u00e0 um impasse tragic\u00f4mico e nada resolutivo. \u00c9 preciso nos implicarmos com outros valores: os de solidariedade, coopera\u00e7\u00e3o, coletividade, camaradagem etc. E, para aqueles(as) que est\u00e3o isolados(as) em suas casas e mesmo para os(as) demais que continuam trabalhando e atuando de maneira central nesse momento dram\u00e1tico, pode parecer que estamos sozinhos(as) e as dificuldades, certamente, se avolumando, entretanto, a uni\u00e3o da classe trabalhadora ultrapassa os limites f\u00edsicos enquanto nossa luta se trava cotidianamente pela disputa de cora\u00e7\u00f5es e mentes na dire\u00e7\u00e3o do futuro que a n\u00f3s pertence.\u00a0<\/span><\/p>\n

\u201cE esse futuro n\u00e3o \u00e9 c\u00f3smico, \u00e9 o do meu s\u00e9culo, do meu pa\u00eds, da minha exist\u00eancia (…) O futuro deve ser uma constru\u00e7\u00e3o sustent\u00e1vel do homem existente. Esta edifica\u00e7\u00e3o se liga ao presente, na medida em que coloco-o como algo a ser superado\u201d [16].\u00a0<\/span><\/p>\n

*Militante do PCB e do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro<\/b><\/p>\n

Refer\u00eancias:<\/b><\/p>\n

[1] MARX, K. Manuscritos econ\u00f4mico-filos\u00f3ficos. S\u00e3o Paulo: Boitempo, 1844\/2010.<\/p>\n

[2] https:\/\/blogdaboitempo.com.br\/2020\/04\/17\/pre-historia-pos-pandemia-e-o-que-vira\/<\/a><\/p>\n

[3] MART\u00cdN-BAR\u00d3, I. Guerra e Sa\u00fade Mental. In: LACERDA J\u00daNIOR, Fernando. (Org.). Cr\u00edtica e liberta\u00e7\u00e3o na Psicologia: Estudos psicossociais. Petr\u00f3polis: Editora Vozes, p. 251-270, 2017.\u00a0<\/span><\/p>\n

[4] NERUDA, P. Memorial de Isla Negra: as mem\u00f3rias de Neruda transformadas em poesia. Porto Alegre: L&PM, p. 43, 2019.\u00a0<\/span><\/p>\n

[5] LUK\u00c1CS, G. Por que a burguesia precisa do desespero? In: ALC\u00c2NTARA, Norma & JIMENEZ, Susana. (Org.). Anu\u00e1rio Luk\u00e1cs 2019. S\u00e3o Paulo: Instituto Luk\u00e1cs, p. 238-247, 2019.<\/p>\n

[6] LUK\u00c1CS, G. Para uma ontologia do ser social II. S\u00e3o Paulo: Boitempo, p. 588, 2013.<\/p>\n

[7] MARX, K. Sal\u00e1rio, pre\u00e7o e lucro. S\u00e3o Paulo: EDIPRO, p. 83, 2004.\u00a0<\/span><\/p>\n

[8] MART\u00cdN-BAR\u00d3, I. Antipsiquiatria y antipsicoan\u00e1lisis. ECA,v. 29, n. 293\/294, p.203-206, 1973.\u00a0<\/span><\/p>\n

[9] https:\/\/www.uol.com.br\/vivabem\/noticias\/redacao\/2020\/05\/05\/depressao-brasileiros-isolamento-social-coronavirus.htm?aff_source=56d95533a8284936a374e3a6da3d7996<\/a><\/p>\n

[10] https:\/\/www1.folha.uol.com.br\/cotidiano\/2020\/05\/abuso-de-alcool-e-drogas-tem-alta-na-pandemia.shtml?aff_source=56d95533a8284936a374e3a6da3d7996<\/a><\/p>\n

[11] https:\/\/brasil.elpais.com\/brasil\/2019\/10\/30\/economia\/1572454880_959970.html<\/a><\/p>\n

[12] https:\/\/agenciabrasil.ebc.com.br\/economia\/noticia\/2020-04\/um-em-cada-quatro-brasileiros-nao-tem-acesso-internet<\/a><\/p>\n

[13] https:\/\/www.infomoney.com.br\/mercados\/lucro-do-zoom-dispara-mais-de-1-000-no-1o-tri-e-vai-a-us-27-milhoes-com-aumento-de-usuario-em-meio-a-pandemia\/<\/a><\/p>\n

[14] https:\/\/www1.folha.uol.com.br\/mercado\/2020\/05\/criador-do-zoom-fica-us-4-bi-mais-rico-durante-a-pandemia.shtml?aff_source=56d95533a8284936a374e3a6da3d7996<\/a><\/p>\n

[15] MART\u00cdN-BAR\u00d3, I. Antipsiquiatria y antipsicoan\u00e1lisis. ECA,v. 29, n. 293\/294, p.203-206, 1973.\u00a0<\/span><\/p>\n

[16] FANON, F. Pele negra, m\u00e1scaras brancas. Salvador: EDUFBA, p. 29, 2008.\u00a0<\/span><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

LUIZA MIRANDA<\/p>\n","protected":false},"author":3,"featured_media":74689,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[172,180],"tags":[223,291,296],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/74688"}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/wp-json\/wp\/v2\/users\/3"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=74688"}],"version-history":[{"count":2,"href":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/74688\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":74702,"href":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/74688\/revisions\/74702"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/wp-json\/wp\/v2\/media\/74689"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=74688"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=74688"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=74688"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}