{"id":74613,"date":"2020-05-31T12:01:57","date_gmt":"2020-05-31T12:01:57","guid":{"rendered":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/?p=74613"},"modified":"2020-05-31T12:09:28","modified_gmt":"2020-05-31T12:09:28","slug":"marx-e-a-questao-ecologica-caminhos-e-fronteiras","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/marx-e-a-questao-ecologica-caminhos-e-fronteiras\/","title":{"rendered":"MARX E A QUEST\u00c3O ECOL\u00d3GICA: CAMINHOS E FRONTEIRAS"},"content":{"rendered":"

Yan Victor Leal da Silva, m<\/em>ilitante do PCB<\/p>\n

\"\"Crime ambiental em Belis\u00e1rio, MG, onde mineradoras buscavam ampliar o extrativismo mineral por meio da espolia\u00e7\u00e3o do ambiente. Foto<\/b>: Yan V. L. Silva<\/h6>\n

O debate ecol\u00f3gico vem ganhando cada vez mais espa\u00e7o n\u00e3o apenas nas universidades, mas em movimentos sociais do campo e da cidade, partidos e organiza\u00e7\u00f5es diversas que em menor grau partem da centralidade das classes enquanto eixo da contradi\u00e7\u00e3o entre trabalho e capital. N\u00e3o \u00e9 o horizonte desse texto localizar tais movimentos, tampouco tentaremos nos deter \u00e0 rela\u00e7\u00e3o da esquerda com a quest\u00e3o ambiental. Nosso objetivo \u00e9 refletir sobre as poss\u00edveis rela\u00e7\u00f5es e implica\u00e7\u00f5es do debate ecol\u00f3gico \u2013 que parece ser o esp\u00edrito do nosso tempo \u2013 com a especificidade da obra de Marx. N\u00e3o temos a inten\u00e7\u00e3o de esgotar o tema, dada a sua complexidade, mas apenas tentar localizar \u00e0s quest\u00f5es que posteriormente podem subsidiar debates mais amplos.<\/p>\n

Talvez a quest\u00e3o que nos interessa possa ser formulada da seguinte forma: o ecologismo do s\u00e9culo XXI \u00e9 compat\u00edvel com os textos de Marx? Partimos do pressuposto que para articular a particularidade da obra marxiana com a proposta ambiental do s\u00e9culo XXI \u00e9 preciso considerar tr\u00eas premissas elementares. A primeira delas \u00e9 que a ecologia n\u00e3o ocupa lugar central na obra de Marx [1]. A segunda \u00e9 que os escritos de Marx (e tamb\u00e9m dos trabalhos em coautoria com Engels) sobre a rela\u00e7\u00e3o entre as sociedades humanas e a natureza est\u00e3o longe de ser um todo homog\u00eaneo, possuindo interpreta\u00e7\u00f5es diferentes [2]. Nosso terceiro pressuposto, trata-se das implica\u00e7\u00f5es da obra marxiana para o ecologismo. Estamos convencidos que a cr\u00edtica da economia pol\u00edtica feita por Marx e Engels ao capitalismo \u00e9 fundamental para uma cr\u00edtica ecol\u00f3gica radical. Portanto, o ecologismo que se limite ao estudo dos sistemas agroalimentares, que defenda a supera\u00e7\u00e3o do dualismo natureza-cultura sem considerar a cr\u00edtica de Marx em obras como o capital, pode cair no engodo de apenas corrigir os excessos do capitalismo.<\/p>\n

Nesse texto focaremos em dois pontos para o debate. Em um primeiro momento abordaremos o credo produtivista, veremos que para alguns intelectuais parece recair sobre Marx a acusa\u00e7\u00e3o de um certo \u201cprogressismo\u201d evolucionista que se desdobraria em uma \u201cequa\u00e7\u00e3o autom\u00e1tica\u201d. Tal perspectiva ser\u00e1 problematizada. Em um segundo momento, tentaremos indicar as implica\u00e7\u00f5es do debate ambiental para um programa mais amplo de transi\u00e7\u00e3o ao socialismo, entendendo o socialismo como uma media\u00e7\u00e3o para uma sociedade para al\u00e9m do capital: uma sociedade comunista. Dentro do esfor\u00e7o deste pequeno ensaio talvez nos falte as reflex\u00f5es sobre o estatuto ontol\u00f3gico do ser humano em Marx. Em que pese essa quest\u00e3o, optou-se por indicar que as quest\u00f5es colocadas pela separa\u00e7\u00e3o do metabolismo entre ser humano e natureza n\u00e3o tem sua supera\u00e7\u00e3o em uma sociedade regida pela forma mercadoria e a subjetividade cultural do valor.<\/p>\n

Marx: \u201cProgresso tecnol\u00f3gico\u201d e \u201cProgresso social\u201d<\/b><\/p>\n

Duas faces da mesma moeda?<\/b><\/p>\n

A proposta te\u00f3rica de intelectuais como Boaventura de Sousa Santos \u2013 sobretudo a proposta da ecologia de saberes \u2013 vem servindo de fundamento para movimentos sociais e ambientais do s\u00e9culo XXI. A ecologia tem aspecto relevante na obra do intelectual portugu\u00eas articulada com temas pol\u00edticos como democracia, cidadania e emancipa\u00e7\u00e3o. Contudo, como nos indica Jos\u00e9 Paulo Neto existe uma diferen\u00e7a entre o Marx interpretado por Sousa Santos e o Marx real dos textos aut\u00f3grafos [3]. Uma dessas diferen\u00e7as \u00e9 decisiva para an\u00e1lise que pretendemos fazer. Ao refletir sobre subjetividade e Marxismo, Sousa Santos afirma que: \u201co erro de Marx foi pensar que o capitalismo, por via do desenvolvimento tecnol\u00f3gico das for\u00e7as produtivas, possibilitaria ou mesmo tornaria necess\u00e1ria a transi\u00e7\u00e3o para o socialismo. Como se veio a verificar, o capitalismo n\u00e3o transita para nada sen\u00e3o para mais capitalismo. A equa\u00e7\u00e3o autom\u00e1tica entre progresso tecnol\u00f3gico e progresso social desradicaliza a proposta emancipadora de Marx e torna-a de facto, perversamente g\u00eamea da regula\u00e7\u00e3o capitalista<\/i> [4].<\/p>\n

Na contram\u00e3o do que diz Sousa Santos, sem nos deter aqui ao trecho \u201co capitalismo n\u00e3o transita para nada sen\u00e3o para mais capitalismo<\/i>\u201d que como afirma o Prof. Jos\u00e9 Paulo Netto j\u00e1 era sabido pelo pr\u00f3prio Marx, nos interessa problematizar essa suposta equa\u00e7\u00e3o autom\u00e1tica entre \u201cprogresso tecnol\u00f3gico e \u201cprogresso social\u201d. Ser\u00e1 que falta a Marx uma no\u00e7\u00e3o dos limites naturais das for\u00e7as produtivas? [5]. Tocamos nesse ponto n\u00e3o apenas por uma quest\u00e3o ret\u00f3rica. Alguns intelectuais est\u00e3o convencidos que Marx pode at\u00e9 ser um cl\u00e1ssico, mas pouco teria a contribuir no debate ambiental, particularmente no que diz respeito \u00e0s comunidades tradicionais, que inclui: povos ind\u00edgenas, camponeses e quilombolas.<\/p>\n

Na supera\u00e7\u00e3o, pois, desse entendimento que existe uma equa\u00e7\u00e3o autom\u00e1tica entre \u201cprogresso tecnol\u00f3gico\u201d e \u201cprogresso social\u201d que desradicaliza a proposta emancipat\u00f3ria de Marx, nos \u00e9 pertinente sinalizar que Marx tamb\u00e9m compreendeu o car\u00e1ter destrutivo das for\u00e7as produtivas (interpreta\u00e7\u00e3o essa ausente na cr\u00edtica de Sousa Santos) [6]. Em passagens como em A ideologia Alem\u00e3<\/i> o fil\u00f3sofo junto a Engels deixa claro que: \u201cno desenvolvimento das for\u00e7as produtivas adv\u00e9m uma fase em que surgem for\u00e7as produtivas e meios de interc\u00e2mbio que, no marco das rela\u00e7\u00f5es existentes, causam somente malef\u00edcios e n\u00e3o s\u00e3o mais for\u00e7as de produ\u00e7\u00e3o, mas for\u00e7as de destrui\u00e7\u00e3o (maquinaria e dinheiro)<\/i> \u201d[7]. Essa interpreta\u00e7\u00e3o foi fundamental para autores brasileiros analisarem as mudan\u00e7as nos meios de vida de popula\u00e7\u00f5es rurais, como interpreta por exemplo Ant\u00f4nio Candido em trabalho pioneiro sobre o caipira [8].<\/p>\n

Podemos acrescentar aqui outros fragmentos da obra de Marx que toca nessa quest\u00e3o. Vejamos por exemplo esse trecho de o capital onde se discute grande ind\u00fastria e agricultura: \u201cE todo progresso da agricultura capitalista \u00e9 um progresso na arte de saquear n\u00e3o s\u00f3 o trabalhador, mas tamb\u00e9m o solo, pois cada progresso alcan\u00e7ado no aumento da fertilidade do solo por certo per\u00edodo \u00e9 ao mesmo tempo um progresso no esgotamento das fontes duradouras dessa fertilidade\u201d<\/i> [9]. Em que pese esse trecho do cap\u00edtulo 13, tal fragmento nos parece indicar que a no\u00e7\u00e3o de progresso pode ser destrutiva para o trabalhador e o seu meio, no caso citado a perda de fertilidade do solo. E mais que isso, o trecho de Marx citado acima relaciona o \u201csaque do trabalhador\u201d com o \u201csaque do solo\u201d. O que nos d\u00e1 margem para pensar na possibilidade de integrar a luta contra a explora\u00e7\u00e3o dos trabalhadores com a luta contra a espolia\u00e7\u00e3o (e apropria\u00e7\u00e3o desigual) da natureza.<\/p>\n

No cap\u00edtulo 47 do Livro 3 do Capital, que comp\u00f5em textos (alguns inacabados) sobre a renda da terra, Marx descreve mais uma vez a rela\u00e7\u00e3o entre agricultura e a devasta\u00e7\u00e3o dos solos, sendo que essa formula\u00e7\u00e3o \u00e9 mais ampla compreendendo a rela\u00e7\u00e3o entre ind\u00fastria e agricultura, tematizando tamb\u00e9m a ruptura nos sistemas de trocas materiais entre sociedade e ambiente. Como descreve o excerto: \u201cA ind\u00fastria e a agricultura em grande escala, exploradas de modo industrial, atuam de forma conjunta. Se num primeiro momento elas se distinguem pelo fato de que a primeira devasta e destr\u00f3i mais a for\u00e7a de trabalho e, com isso, a for\u00e7a natural do homem, ao passo que a segunda depreda mais diretamente a for\u00e7a natural da terra, posteriormente, no curso do desenvolvimento, ambas se d\u00e3o as m\u00e3os, uma vez que o sistema industrial na zona rural tamb\u00e9m exaure os trabalhadores, enquanto a ind\u00fastria e o com\u00e9rcio, por sua vez, fornecem \u00e0 agricultura os meios para o esgotamento do solo<\/i>\u201d [10].<\/p>\n

A que porto nos levam as cita\u00e7\u00f5es extra\u00eddas dos textos aut\u00f3grafos de Marx? Que Marx teria previsto a agroecologia? Certamente n\u00e3o. Por\u00e9m, n\u00e3o nos parece em uma leitura ainda que superficial desses trechos que marxismo e agroecologia estejam em rota de colis\u00e3o. Confronto esse, presente n\u00e3o apenas nos recintos acad\u00eamicos, mas tamb\u00e9m na pr\u00e1tica das ideias. \u00c9 pertinente aqui fazer uma ressalva, a obra marxiana n\u00e3o pode ser apreendida apenas pela leitura daqueles fragmentos mais pertinentes. Pois, ela desautoriza qualquer positivismo. Como ressalta estudiosos do m\u00e9todo, nos textos de Marx n\u00e3o est\u00e1 apenas o que Marx pensa sobre temas como o capitalismo, diferente de Weber que opera com conceitos bem definidos, Marx apreende o real em movimento e o reproduz indicando suas tend\u00eancias imanentes. Como ressalta o Prof. Mauro Iasi entender Marx buscando defini\u00e7\u00f5es pode ser uma tarefa pouco efetiva, uma vez que os conceitos est\u00e3o em movimento.<\/p>\n

Embora a passagem citada da ideologia alem\u00e3 coloque em contradi\u00e7\u00e3o a interpreta\u00e7\u00e3o de Sousa Santos sobre a equa\u00e7\u00e3o autom\u00e1tica entre \u201cprogresso tecnol\u00f3gico\u201d e \u201cprogresso social\u201d, n\u00e3o est\u00e1 claro, se para Marx nesse livro, o car\u00e1ter destrutivo das for\u00e7as produtivas (desenvolvido tamb\u00e9m por outros autores no campo do marxismo) seja em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 natureza. O que nos fez trazer fragmentos do capital para, assim encontrar um liame entre o que est\u00e1 rigorosamente escrito no acerto de contas com o idealismo alem\u00e3o e sua poss\u00edvel rela\u00e7\u00e3o com alguns fragmentos dentro da totalidade que se pretende o capital. Como interpreta Michael L\u00f6wy, parece haver uma ruptura do metabolismo entre ser humano e a natureza, uma ruptura causada pelas contradi\u00e7\u00f5es da produ\u00e7\u00e3o capitalista [11]. Nesse ponto, caberia perguntar: seria poss\u00edvel retomar esse metabolismo entre ser humano e natureza \u2013 entendido tamb\u00e9m como supera\u00e7\u00e3o do dualismo entre natureza e cultura \u2013 sem superar tamb\u00e9m o sociometabolismo do capital? Tentaremos desenvolver essa quest\u00e3o adiante.<\/p>\n

Ecologia e Socialismo:\u00a0<\/span><\/b><\/p>\n

Ecossocialismo?<\/b><\/p>\n

No cap\u00edtulo 24 de O capital Marx descreve A assim chamada acumula\u00e7\u00e3o primitiva<\/i>. Ap\u00f3s fazer uma cr\u00edtica a esse conceito \u2013 que para Marx na economia pol\u00edtica cl\u00e1ssica teria na origem do capitalismo relatos id\u00edlicos \u2013 o fil\u00f3sofo alem\u00e3o enumera alguns fatores decisivos para o processo de acumula\u00e7\u00e3o. Processo esse violento que na sua g\u00eanese jorra \u201csangue e lama\u201d, a saber: saque de terras da igreja, pilhagem da natureza, lei de cercamentos, coloniza\u00e7\u00e3o e um que queremos nos deter que \u00e9 a expropria\u00e7\u00e3o camponesa [12].<\/p>\n

Para Marx o processo de acumula\u00e7\u00e3o, isto \u00e9, a g\u00eanese do capital tem como mote a expropria\u00e7\u00e3o dos trabalhadores rurais. Se fossemos usar uma linguagem atual poder\u00edamos dizer que o surgimento do capitalismo implicou na separa\u00e7\u00e3o do ser humano com a natureza (aprofundando e modificando essa rela\u00e7\u00e3o), quer dizer, dos meios de vida. No caso campon\u00eas e artes\u00e3o, que n\u00e3o s\u00e3o os \u00fanicos em um processo de acumula\u00e7\u00e3o, temos a transforma\u00e7\u00e3o dos meios de vida em capital. Em outras palavras, o sujeito que trabalhava em sua terra, com suas ferramentas de trabalho, ao perder sua terra em um processo extremamente violento passa a ser subordinado ao propriet\u00e1rio capitalista.<\/p>\n

\u00c9 not\u00f3rio no texto, como sugere Marx que se trata da an\u00e1lise da Inglaterra, sobretudo da transi\u00e7\u00e3o do modo de produ\u00e7\u00e3o feudal para o modo de produ\u00e7\u00e3o capitalista. Marx alerta que esse processo hist\u00f3rico assume: tonalidades distintas nos diversos pa\u00edses e percorre as v\u00e1rias fases em sucess\u00e3o diversa e em diferentes \u00e9pocas hist\u00f3ricas<\/i> [13]. O que n\u00e3o significa que o aprendizado desse texto n\u00e3o sirva para a an\u00e1lise da quest\u00e3o agr\u00e1ria brasileira, tema que pretendemos nos deter em um outro momento. Por hora, nos \u00e9 pertinente indicar que nesse cap\u00edtulo, al\u00e9m da historicidade, Marx aponta as tend\u00eancias hist\u00f3ricas do processo de acumula\u00e7\u00e3o. Marx apreende o movimento hist\u00f3rico imanente ao surgimento do capital, suas tend\u00eancias de centraliza\u00e7\u00e3o de riquezas, destrui\u00e7\u00e3o dos meios de vida e acumula\u00e7\u00e3o ampliada coexistindo com a mis\u00e9ria.<\/p>\n

Em uma passagem celebre, temos que: \u201cO monop\u00f3lio do capital se converte num <\/i>entrave<\/i><\/b> para o modo de produ\u00e7\u00e3o que floresceu com ele e sob ele. A centraliza\u00e7\u00e3o dos meios de produ\u00e7\u00e3o e a socializa\u00e7\u00e3o do trabalho atingem um grau em que se tornam incompat\u00edveis com seu inv\u00f3lucro capitalista. O <\/i>entrave<\/i><\/b> \u00e9 arrebentado. Soa a hora derradeira da propriedade privada capitalista, e os expropriadores s\u00e3o expropriados<\/i>\u201d [14].\u00a0<\/span><\/p>\n

Em passagem aparentemente similar na Contribui\u00e7\u00e3o a Cr\u00edtica da Economia Pol\u00edtica, afirma-se: Em certos est\u00e1gios de desenvolvimento, as for\u00e7as produtivas materiais da sociedade entram em contradi\u00e7\u00e3o com as rela\u00e7\u00f5es sociais de produ\u00e7\u00e3o existentes, ou, o que \u00e9 sua express\u00e3o jur\u00eddica, com as formas de propriedade no seio das quais se tinham movido at\u00e9 ent\u00e3o. De forma de desenvolvimento das for\u00e7as produtivas, estas rela\u00e7\u00f5es transformam-se no seu <\/i>entrave<\/i><\/b>. Surge ent\u00e3o uma \u00e9poca de revolu\u00e7\u00e3o social <\/i>[15]. Ora, o que viria a ser esse entrave, presente nas duas passagens?\u00a0<\/span><\/p>\n

Alguns autores est\u00e3o convencidos que o entrave seria o campesinato, em uma abordagem que o interpreta como respons\u00e1vel por emperrar o desenvolvimento [16]. Essa interpreta\u00e7\u00e3o \u00e9 discut\u00edvel tendo em mente a particularidade do campesinato Brasileiro e Latino Americano. Estamos convencidos, a partir das leituras de Mauro Iasi que os trechos acima n\u00e3o podem ser interpretados apenas na cl\u00e1ssica formula\u00e7\u00e3o \u201ccontradi\u00e7\u00e3o entre for\u00e7as produtivas e rela\u00e7\u00f5es sociais de produ\u00e7\u00e3o\u201d. Essa leitura n\u00e3o autoriza em hip\u00f3tese alguma uma no\u00e7\u00e3o de que as for\u00e7as produtivas agiriam de forma neutra, aut\u00f4nomas e naturais. Portanto, como ressalta Iasi \u00e9 fundamental considerar o terreno concreto da luta de classes onde opera essas contradi\u00e7\u00f5es [17].<\/p>\n

Embora possa parecer que desviamos da discuss\u00e3o ecol\u00f3gica, n\u00e3o o fizemos de forma inconsciente. Alguns trechos que s\u00e3o fundamentais para se pensar a transi\u00e7\u00e3o parecem indicar que a quest\u00e3o ecol\u00f3gica talvez n\u00e3o seja o mote dessa discuss\u00e3o. O que \u00e9 contradit\u00f3rio tendo em perspectiva o trato que Marx d\u00e1 ao metabolismo ser humano natureza em obras como os Manuscrito de 1844. O que o debate do ecossocialismo teria a indicar as formula\u00e7\u00f5es cl\u00e1ssicas de Marx \u00e9 que no processo de transi\u00e7\u00e3o a continuidade do aparelho produtivo capitalista pode se chocar diretamente com os limites naturais do que chamamos de natureza. Talvez tenhamos que discutir o \u201cprinc\u00edpio da responsabilidade\u201d t\u00e3o caro ao fil\u00f3sofo Hans Jonas, considerando a obriga\u00e7\u00e3o de cada gera\u00e7\u00e3o em respeitar o ambiente natural, condi\u00e7\u00e3o essa para a exist\u00eancia das pr\u00f3ximas gera\u00e7\u00f5es.<\/p>\n

N\u00e3o temos d\u00favidas que falta na obra de Marx uma perspectiva ecol\u00f3gica de conjunto. Da mesma forma que em diversos textos Marx \u00e9 duro com o campesinato e aquilo que \u00e9 muito discut\u00edvel, as vezes colocado com uma dose de evolucionismo, quando se associa povos ind\u00edgenas a no\u00e7\u00e3o de pr\u00e9-capitalistas. Mas, isso n\u00e3o significa que n\u00e3o seja poss\u00edvel uma leitura dessas quest\u00f5es a partir do referencial te\u00f3rico e metodol\u00f3gico do marxismo. Os textos de Marx n\u00e3o s\u00f3 convidam o ecologismo a discutir temas ontol\u00f3gicos, como pressup\u00f5em uma cr\u00edtica companheira para o fim da civiliza\u00e7\u00e3o capitalistas. Seus coveiros est\u00e3o ansiosos!\u00a0<\/span><\/p>\n

E como esse fim \u2013 ao menos se levarmos em conta esse in\u00edcio de mil\u00eanio \u2013 n\u00e3o ser\u00e1 um \u201cbanquete\u201d, \u00e9 desafiador considerar a quest\u00e3o ecol\u00f3gica para o marxismo no s\u00e9culo XXI. Passando, sobretudo por seus pontos mais contradit\u00f3rios: o car\u00e1ter destrutivo da produ\u00e7\u00e3o capitalista. Entendo que a transi\u00e7\u00e3o ao comunismo n\u00e3o deve considerar apenas o fim da propriedade capitalista e a apropria\u00e7\u00e3o dos meios de produ\u00e7\u00e3o. \u00c9 preciso minimamente discutir a transforma\u00e7\u00e3o desses meios de produ\u00e7\u00e3o herdados do capital, assim como a transforma\u00e7\u00e3o das express\u00f5es objetivas e subjetivas dos sistemas que utilizamos cotidianamente para reproduzir a exist\u00eancia. Seria poss\u00edvel uma gest\u00e3o racional da civiliza\u00e7\u00e3o material criada pelo capital?<\/p>\n

O livro O campo e a Cidade<\/i> do historiador marxista Raymond Willians nos serve de inspira\u00e7\u00e3o para uma an\u00e1lise de como se transformam leis, c\u00f3digos e costumes do mundo silvestre, ligados aos campos de ca\u00e7a, \u00e0 lavoura e tudo que significou os terr\u00edveis cercamentos da Inglaterra e da Europa Continental. Talvez tenhamos a\u00ed a descri\u00e7\u00e3o de s\u00edmbolos liter\u00e1rios, mas tamb\u00e9m de mudan\u00e7as pol\u00edtico e econ\u00f4micas, articuladas com a particularidade das vis\u00f5es, gostos e sentidos em que o mundo da natureza \u00e9 revisitado pelo ser humano sem desconsiderar diverg\u00eancias e conflitos. E para essa empreitada a obra de Marx \u00e9 companheira sem a qual n\u00e3o conseguiremos mudar e transformar o mundo, para al\u00e9m da sua fraseologia!<\/p>\n

Terminamos o texto com votos que o debate continue [18].<\/p>\n

Texto encaminhado no dia 29 de maio de 2020.<\/b><\/p>\n

Revisado anteriormente por <\/b>Fabio Martins Bezerra<\/b><\/p>\n

REFER\u00caNCIAS CITADAS<\/b><\/p>\n

[1] N\u00e3o temos a pretens\u00e3o de discutir aqui os diferentes significados dos termos ecologia<\/i> e ecologismo<\/i>. \u00c9 importante ressaltar que tais defini\u00e7\u00f5es guardam diferentes correntes e posi\u00e7\u00f5es. O termo ecologia \u00e9 de origem recente, tendo sido proposto primeiro pelo bi\u00f3logo alem\u00e3o Ernst Haeckel (1869). Por\u00e9m, passa a ser reconhecido como um campo distinto dentro da ci\u00eancia a partir de 1900, ou seja, aproximadamente 17 anos ap\u00f3s o falecimento de Karl Marx. A ecologia passa a ser utilizada em resposta aos aspectos destrutivos da produ\u00e7\u00e3o capitalista a partir da segunda metade do s\u00e9culo XX (Cf. Odum, 1986, p.1-2).<\/p>\n

[2] L\u00d6WY, Michael. Marx, Engels e a ecologia. In: Margem Esquerda \u2013 Ensaios Marxistas<\/b>. S\u00e3o Paulo: n.3, p.90-103. 2004.<\/p>\n

[3] Artigo Eletr\u00f4nico. NETTO, Jos\u00e9 Paulo. De como n\u00e3o ler Marx ou o Marx de Sousa Santos<\/b>. Lavra Palavra. Dispon\u00edvel em: https:\/\/lavrapalavra.com\/2019\/11\/06\/de-como-nao-ler-marx-ou-o-marx-de-sousa-santos\/<\/a>. [Acesso em maio, 2020].<\/p>\n

[4] SOUSA SANTOS, Boaventura. Subjetividade, Cidadania e Emancipa\u00e7\u00e3o. Revista Cr\u00edtica de Ci\u00eancias Sociais<\/b>, v. 32, p. 145, 1991.<\/p>\n

[5] Por limites naturais compreendo os paradoxos da produ\u00e7\u00e3o capitalista que faz com que ela seja destrutiva. Esse paradoxo pode ser expresso atrav\u00e9s da seguinte equa\u00e7\u00e3o: quanto mais efetivo \u00e9 a produ\u00e7\u00e3o do moderno e hegem\u00f4nico modelo de desenvolvimento urbano e industrial capitalista, proporcionalmente mais se intensifica a dilapida\u00e7\u00e3o dos meios de reprodu\u00e7\u00e3o, no caso em quest\u00e3o a dilapida\u00e7\u00e3o do ambiente natural. E por consequ\u00eancia os sinais de esgotamento e fal\u00eancia geral, expressa de forma especial pela degrada\u00e7\u00e3o dos ecossistemas em todo o planeta.<\/p>\n

[6] MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alem\u00e3<\/b>: cr\u00edtica da mais recente filosofia alem\u00e3 em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alem\u00e3o em seus diferentes profetas. S\u00e3o Paulo: Boitempo editorial, p.72. 2007.<\/p>\n

[7] Idem, ibidem, p. 41. 2007.<\/p>\n

[8] CANDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito<\/b>: estudo sobre o caipira paulista e a transforma\u00e7\u00e3o dos seus meios de vida. 8\u00b0ed. S\u00e3o Paulo: Ed.34. p. 163-211. 1997.<\/p>\n

[9] MARX, Karl. Maquinaria e Grande Industria \u2013 Grande Industria e Agricultura. In: O capital<\/b>: contribui\u00e7\u00e3o \u00e0 cr\u00edtica da economia pol\u00edtica \u2013 Livro 1: O processo de produ\u00e7\u00e3o do capital. S\u00e3o Paulo: Boitempo, p.703. 2013.<\/p>\n

[10] MARX, Karl. O processo de g\u00eanese da renda fundi\u00e1ria capitalista\/ O sistema de parceria e a propriedade camponesa parcelaria. In: O capital<\/b>: contribui\u00e7\u00e3o \u00e0 cr\u00edtica da economia pol\u00edtica \u2013 Livro 3: O processo global da produ\u00e7\u00e3o capitalista. S\u00e3o Paulo: Boitempo, p.873. 2017.<\/p>\n

[11] L\u00d6WY, Michael. Marx, Engels e a ecologia. In: Margem Esquerda \u2013 Ensaios Marxistas<\/b>, n.3, p.94. 2004.<\/p>\n

[12] MARX, Karl. A assim chamada acumula\u00e7\u00e3o primitiva. In: O capital<\/b>: contribui\u00e7\u00e3o \u00e0 cr\u00edtica da economia pol\u00edtica \u2013 Livro 1: O processo de produ\u00e7\u00e3o do capital. S\u00e3o Paulo: Boitempo, p.959-1014. 2013.<\/p>\n

[13] Idem, ibidem, p.963. 2013.<\/p>\n

[14] Idem, ibidem, p.1012-1013. 2013.<\/p>\n

[15] MARX, Karl. Contribui\u00e7\u00e3o \u00e0 cr\u00edtica da economia pol\u00edtica<\/b>. S\u00e3o Paulo: Martins Fontes, p.24. 1977.<\/p>\n

[16] FOSTER, Geroge M. La sociedad campesina y Ia imagen dei bien limitado. In.: Wagley, Ch. y otros (orgs.) Est\u00fadios sobre el campesinato<\/b>. Latinoamericano. Argentina: Ediciones Periferia SRL, p. 56-90. 1974.<\/p>\n

[17] IASI, Mauro Luis. O dilema da consci\u00eancia. In: O dilema de Hamlet<\/b>: o ser eo n\u00e3o ser da consci\u00eancia. Editora Viramundo, p. 27-28. 2002.<\/p>\n

[18] Sugest\u00f5es para continuidade da reflex\u00e3o:<\/p>\n

FOSTER, John Bellamy. La ecolog\u00eda de Marx: materialismo y naturaleza. Matar\u00f3 (Catalunha): El Viejo Topo, 2004 [2000].<\/p>\n

O’CONNOR, James. Las condiciones de producc\u00edon. Por um marxismo ecol\u00f3gico, uma introdu\u00e7\u00e3o te\u00f3rica.\u00a0 <\/span>O’Connor, James; Alier, Joan (orgs.). Ecolog\u00eda Pol\u00edtica<\/b>. Barcelona: Fuhem\/Icaria, 1990.<\/p>\n

ALIMONDA, H\u00e9ctor. La ecolog\u00eda pol\u00edtica de Mari\u00e1tegui. Buscando una herencia en Lima. Tareas<\/b>, n. 125, p. 75-87, 2007.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

YAN VICTOR LEAL DA SILVA<\/p>\n","protected":false},"author":3,"featured_media":74614,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[172,180],"tags":[277,278,279,280],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/74613"}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/wp-json\/wp\/v2\/users\/3"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=74613"}],"version-history":[{"count":6,"href":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/74613\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":74623,"href":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/74613\/revisions\/74623"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/wp-json\/wp\/v2\/media\/74614"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=74613"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=74613"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=74613"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}