{"id":73675,"date":"2018-08-20T19:37:27","date_gmt":"2018-08-20T19:37:27","guid":{"rendered":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/?p=73675"},"modified":"2019-02-07T18:12:22","modified_gmt":"2019-02-07T18:12:22","slug":"amamentar-resistir-revolucionar","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.poderpopularmg.org\/amamentar-resistir-revolucionar\/","title":{"rendered":"Amamentar, resistir, revolucionar"},"content":{"rendered":"

[vc_row][vc_column width=”1\/1″][vc_gallery el_id=”gallery-512543″ gutter_size=”3″ screen_lg=”1000″ screen_md=”600″ screen_sm=”480″ single_overlay_opacity=”50″ single_padding=”2″][vc_column_text]Renata Regina*<\/p>\n

Numa sociedade patriarcal, capitalista e profundamente machista, amamentar nossos filhos \u00e9, al\u00e9m de um ato de amor, resist\u00eancia. Por isso, amamentar \u00e9 tamb\u00e9m um ato revolucion\u00e1rio. Nossos corpos s\u00e3o tratados como meros objetos, com fun\u00e7\u00e3o de satisfazer aos desejos masculinos. O machismo propaga a ideia de que nossos seios existem para agradar sexualmente os homens e que o seio da mulher que amamenta fica \u201cfeio\u201d, \u201cca\u00eddo\u201d e ser\u00e1 menos atraente para os homens.<\/p>\n

Por sua vez, a industria aliment\u00edcia produz leites artificiais, interessada somente em obter e aumentar seus lucros. Da mesma forma agem os m\u00e9dicos corporativistas e v\u00e1rios profissionais da sa\u00fade, aliados a essa industria, que tamb\u00e9m possuem como interesse maior a obten\u00e7\u00e3o de lucro e n\u00e3o a promo\u00e7\u00e3o da sa\u00fade de mulheres e crian\u00e7as. A influ\u00eancia dessa poderosa alian\u00e7a pode ser observada j\u00e1 a partir das primeiras horas de vida do rec\u00e9m nascido, quando \u00e9 comum, em v\u00e1rias maternidades, a oferta de leite artificial para o beb\u00ea, sem pedir autoriza\u00e7\u00e3o ou mesmo informar a m\u00e3e. Esses profissionais difundem informa\u00e7\u00f5es incorretas e desatualizadas, incentivam o uso de mamadeira, leite artificial e outros l\u00edquidos (o que pode causar problemas na amamenta\u00e7\u00e3o e o desmame precoce), e muitos ainda orientam a introdu\u00e7\u00e3o de alimentos antes dos 6 meses (per\u00edodo que o aleitamento materno deve ser exclusivo segundo a OMS e o Minist\u00e9rio da Sa\u00fade).<\/p>\n

Propagam a ideia de que nossos corpos s\u00e3o defeituosos, incapazes de produzir o alimento perfeito para nossos filhos, reproduzindo e refor\u00e7ando mitos como os que dizem que o leite n\u00e3o sustenta, que existe leite fraco, que amamenta\u00e7\u00e3o em livre demanda e prolongada cria crian\u00e7as dependentes e manhosas, que as recomenda\u00e7\u00f5es da OMS s\u00e3o feitas pensando nas mulheres pobres que n\u00e3o t\u00eam como comprar leite artificial, que amamentar \u00e9 algo feio e ultrapassado. Amamentar \u00e9 algo fisiol\u00f3gico e completamente natural, mas em nossa sociedade acabou por se tornar algo complexo e delicado, cercado de mitos e repleto de obst\u00e1culos.<\/p>\n

Nascemos com papeis pr\u00e9-estabelecidos, inseridas num sistema onde a divis\u00e3o sexual do trabalho coloca o servi\u00e7o dom\u00e9stico e o cuidado como obriga\u00e7\u00f5es das mulheres. Um trabalho nada f\u00e1cil ou simples, que \u00e9 efetuado sem nenhuma remunera\u00e7\u00e3o pelas mulheres, e esse trabalho \u201cinvis\u00edvel\u201d \u00e9 realizado para outros e n\u00e3o para n\u00f3s mesmas sob a justificativa de ser algo inerente \u00e0 natureza da mulher, assim como o amor e o \u201cdever\u201d maternos. No mercado de trabalho somos maioria predominante nas profiss\u00f5es relacionadas a cuidados, educa\u00e7\u00e3o infantil e limpeza, profiss\u00f5es essas que s\u00e3o desvalorizadas e consideradas sem prestigio social. Recebemos menos que os homens para realizar as mesmas fun\u00e7\u00f5es, enfrentamos m\u00faltiplas jornadas de trabalho e, nesse cen\u00e1rio completamente desigual, est\u00e3o ainda mais expostas e vulner\u00e1veis as mulheres negras e pobres.<\/p>\n

Mesmo para as mulheres que t\u00eam condi\u00e7\u00f5es e optam por deixar de trabalhar fora para se dedicar exclusivamente \u00e0 maternidade, ter sucesso na amamenta\u00e7\u00e3o e conseguir manter o aleitamento exclusivo at\u00e9 o sexto m\u00eas e depois continuar com a amamenta\u00e7\u00e3o at\u00e9 os dois anos ou mais \u00e9 algo muito dif\u00edcil, uma vez que em muitos casos n\u00e3o se pode contar com o apoio da fam\u00edlia, dos m\u00e9dicos, da sociedade no geral, tendo que lidar com olhares constrangedores de reprova\u00e7\u00e3o e todo tipo de preconceito. Agora imaginem como isso \u00e9 para a imensa maioria das mulheres que n\u00e3o tem condi\u00e7\u00f5es nem escolha, e o retorno ao trabalho \u00e9 uma quest\u00e3o de necessidade e sobreviv\u00eancia. Aqui nos deparamos com mais uma imensa dificuldade inserida nessa mesma logica do sistema capitalista.<\/p>\n

Nossa legisla\u00e7\u00e3o garante uma licen\u00e7a maternidade de apenas 120 dias. Muitas mulheres aut\u00f4nomas n\u00e3o podem ficar esse per\u00edodo sem trabalhar, tendo que retornar ao trabalho mais precocemente ainda. Este \u00e9 um drama que come\u00e7a a preocupar as mulheres j\u00e1 no fim da gesta\u00e7\u00e3o: como v\u00e3o fazer com a necessidade de retornar ao trabalho com um crian\u00e7a t\u00e3o pequena e dependente? Com quem deixar o filho? Encontrar uma escola ou creche que o salario permita pagar? Como continuar com o aleitamento materno exclusivo entre tantas outras preocupa\u00e7\u00f5es inerentes a sa\u00fade, bem estar e todas as responsabilidades no cuidado e educa\u00e7\u00e3o de uma crian\u00e7a? Nesse contexto cheio de press\u00f5es, opress\u00f5es, cobran\u00e7as, falta de informa\u00e7\u00e3o, profissionais da sa\u00fade descompromissados e muito marketing da ind\u00fastria, fica quase imposs\u00edvel ter as condi\u00e7\u00f5es ideais para a amamenta\u00e7\u00e3o, quando a mulher precisa se sentir segura e estar tranquila e relaxada para manter os n\u00edveis de ocitocina e prolactina que garantem a produ\u00e7\u00e3o de leite.<\/p>\n

Quando volta ao trabalho, a mulher n\u00e3o encontra espa\u00e7os adequados que a possibilite fazer ordenha e armazenamento do seu leite, muitas acabam fazendo ordenha em locais inapropriados como banheiros e tendo que desprezar o leite. Ficar sem ordenhar os seios n\u00e3o \u00e9 uma op\u00e7\u00e3o, pois ficam doloridos e h\u00e1 a possibilidade de empedramento do leite e de infec\u00e7\u00e3o mam\u00e1ria). A CLT (Art.396 ) garante dois intervalos de 30 minutos para que a mulher amamente at\u00e9 os 6 meses do beb\u00ea; esse intervalo pode ser somado e reduzir uma hora da jornada de trabalho. Como s\u00e3o raras as empresas que oferecem creche para suas trabalhadoras, a maioria das mulheres tem que se deslocar por longos trajetos de casa at\u00e9 o trabalho, o que torna mais comum a redu\u00e7\u00e3o da jornada, em nada contribuindo efetivamente para a continuidade do aleitamento materno.<\/p>\n

O Art. 389 da CLT obriga empresas com mais de 30 mulheres no seu quadro de funcion\u00e1rios a oferecer local apropriado para guarda, sob vigil\u00e2ncia e assist\u00eancia dos filhos no per\u00edodo de amamenta\u00e7\u00e3o. Na falta de local apropriado na empresa, o empregador pode utilizar-se de conv\u00eanios com creches ou pode optar pelo sistema de reembolso-creche. Esse artigo se mostra tamb\u00e9m pouco eficiente, pois n\u00e3o garante o direito a toda mulher trabalhadora; assim, h\u00e1 empresas que procuram manter o n\u00famero de funcion\u00e1rias inferior a 30 como mecanismo de se manter fora da obrigatoriedade prevista na lei, e a imensa maioria das empresas com tal obriga\u00e7\u00e3o opta por conv\u00eanio ou reembolso. Quando a creche \u00e9 conveniada, ou se a mulher n\u00e3o encontra uma creche pr\u00f3xima do trabalho, tamb\u00e9m n\u00e3o auxilia efetivamente na manuten\u00e7\u00e3o do aleitamento materno.<\/p>\n

Sem falar das mulheres que est\u00e3o no mercado informal e que, al\u00e9m de trabalharem sem direitos trabalhistas, se submetem a rela\u00e7\u00f5es de trabalho ainda mais prec\u00e1rias e abusivas, muitas vezes como empregadas dom\u00e9sticas e diaristas e se afastam muito cedo de seus beb\u00eas, subordinadas a uma carga e condi\u00e7\u00f5es de trabalho que tamb\u00e9m dificultam e inviabilizam o aleitamento exclusivo e a continuidade da amamenta\u00e7\u00e3o. Consequ\u00eancia disso \u00e9 uma m\u00e9dia de aleitamento materno exclusivo de apenas 54 dias e uma sociedade que desconhece a import\u00e2ncia do aleitamento materno, que n\u00e3o apoia mulheres que amamentam. Uma sociedade que n\u00e3o entende que amamentar \u00e9 algo natural e completamente saud\u00e1vel e considera que amamentar em p\u00fablico \u00e9 feio e obsceno, e ainda sup\u00f5e que a mulher que o faz est\u00e1 apenas se exibindo. O machismo a\u00ed fica extremamente evidente, uma sociedade que tolera muito bem mulheres de corpos e seios expostos na TV, em comerciais, no carnaval ou em qualquer situa\u00e7\u00e3o onde nosso corpo cumpra o papel desejado de permanecer objetificado e sexualizado. \u00c9 bem visto, a\u00ed tudo bem, mas amamentar e faz\u00ea-lo em p\u00fablico j\u00e1 \u00e9 demais\u2026<\/p>\n

Falta apoio em todos os aspectos: faltam leis, politicas p\u00fablicas, faltam boa orienta\u00e7\u00e3o e informa\u00e7\u00f5es de qualidade e temos em excesso o machismo que faz de tudo para nos convencer de que nosso corpo deve servir aos homens e amamentar n\u00e3o est\u00e1 incluso nisso. Cada aspecto desses que mencionei isoladamente pode prejudicar e mesmo inviabilizar a a amamenta\u00e7\u00e3o. A imensa maioria das mulheres brasileiras sofre com todos esses aspectos. H\u00e1 todo um contexto que dificulta e inviabiliza o aleitamento materno. O problema \u00e9 estrutural, \u00e9 sist\u00eamico. Para superar efetivamente essa realidade, \u00e9 preciso romper com o capitalismo e o patriarcado, \u00e9 preciso uma revolu\u00e7\u00e3o, mas enquanto n\u00e3o chegamos l\u00e1, precisamos lutar para criar as condi\u00e7\u00f5es necess\u00e1rias pra que amamentar seja um direito garantido e uma possibilidade real para todas as mulheres.<\/p>\n

*Militante do PCB-MG.<\/p>\n

Texto publicado originalmente em pcb.org.br: http:\/\/pcb.org.br\/portal2\/20515\/amamentar-resistir-revolucionar\/[\/vc_column_text][\/vc_column][\/vc_row]<\/p>\n<\/section>","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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